• 08 de outubro de 2013
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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TERRAMÉRICA – Exploração às cegas

A Argentina precisa contabilizar suas águas subterrâneas, antes que acabem.

Buenos Aires, Argentina, 7 de outubro de 2013 (Terramérica).- Metade da Argentina se abastece de aquíferos invisíveis, que são cruciais em zonas áridas e semiáridas, afirmam especialistas. Mas o Terramérica constatou que ninguém, tampouco o governo, conhece estes recursos corretamente. Além do Aquífero Guarani, extenso sistema subterrâneo de água doce compartilhado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, pouco se sabe sobre esses recursos em um país que tem riquezas hídricas muito visíveis, como os rios da Bacia do Rio da Prata, as Cataratas do Iguaçu ou as majestosas geleiras da Patagônia.

O Guarani ficou conhecido por um plano de monitoramento do Fundo para o Meio Ambiente Mundial, “mas na Argentina há outros aquíferos muito mais explorados” que sustentam economias regionais, garantiu ao Terramérica a doutora em geologia Ofelia Tujchneider, da Universidade Nacional do Litoral. Pela quantidade e qualidade de suas águas, o mais importante é o Puelches, que se estende sob uma parte da província de Buenos Aires, no leste do país, Córdoba, no centro, e Santa Fé no nordeste.

Segundo o Atlas Ambiental de Buenos Aires, o Puelches tem profundidade de entre 40 e 120 metros e fornece 9.900 metros cúbicos por dia. Encontra-se entre o Aquífero Pampeano, mais superficial, e o Paraná, mais profundo, cujas águas são salobras e usadas principalmente na indústria. No leste do país, há os aquíferos Ituzaingó, Salto e Salto Chico. E na província de Neuquén, no oeste da austral Patagônia, depósitos subterrâneos abastecem a exploração de hidrocarbonos e a mineração, disse ao Terramérica o hidrogeólogo Mario Hernández, da Universidade Nacional de La Plata.

Na austral província de Santa Cruz também há aquíferos. E no noroeste, região árida e de chuvas escassas, esses depósitos subterrâneos são recarregados com água dos rios. As províncias ocidentais de Mendoza e San Juan se abastecem, primeiramente, de reservas subterrâneas. Ali sim, se conhece e se cuida dos aquíferos, submetendo-os a controles periódicos, porque a produção vitivinícola local depende de suas águas.

“As águas subterrâneas são estratégicas em zonas áridas e semiáridas. Do contrário seriam necessárias grandes obras de engenharia para levar água para irrigação ou uso residencial”, observou Tujchneider. São abundantes, de qualidade muito boa, costumam estar mais protegidas da contaminação e podem ser encontradas em grandes volumes, inclusive debaixo de terras áridas, desertificadas ou de desertos.

A Bacia do Prata representa 85% dos recursos hídricos superficiais do país, segundo o livro Água: Panorama na Argentina, da organização não governamental Green Cross. Contudo, essa realidade fluvial está disponível apenas para 33% do território nacional, no nordeste, e flui para o caudaloso estuário que lhe dá nome e que desemboca no Oceano Atlântico. Boa parte do território restante é árido ou semiárido, com zonas onde a água disponível em um ano não chega a mil metros cúbicos por habitante, medida de escassez, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

O serviço de água potável chegava, em 2010, a 82,6% da população argentina, hoje estimada em 41 milhões de pessoas. Segundo Hernández, metade do país se abastece de aquíferos, que fornecem irrigação para cereais, oleaginosas e arrozais, e abastecem as atividades industrial e de mineração, e boa parte do consumo doméstico. Porém, não há medições certas nem estatísticas, pontuou à IPS. O único dado é um documento do Banco Mundial de 2000, estimando em 35% a proporção de águas subterrâneas empregadas em irrigação, pecuária, indústria e consumo doméstico.

Tujchneider acredita que o uso atual está “bem acima daqueles 35%”, sobretudo pelo aumento da irrigação e das plantações de arroz nos últimos anos. No entanto, não se conhecendo essa riqueza, existe o perigo de ser contaminada por agroquímicos, dejetos industriais ou esgoto, ou, ainda, que seja explorada além de sua capacidade de recarga. A água de um aquífero pode estar ali há muito tempo. Se for extraída sem limite, pode esgotar, como já ocorre em Mendoza, alertou.

Segundo Hernández, os aquíferos estão “mais protegidos da contaminação do que as águas superficiais, mas são mais frágeis e, uma vez contaminados, são muito mais difíceis de sanear do que os rios. Falta conhecimento. Não são valorizados nem se ensina sobre eles na escola. As crianças acreditam que a história da água começa na torneira”.

O Plano Nacional Federal de Águas Subterrâneas pretende acabar com esta invisibilidade, disse ao Terramérica seu coordenador, Jorge Santa Cruz, doutor em ciências naturais que conduziu os estudos sobre o Aquífero Guarani. O primeiro passo são painéis de diagnóstico nas províncias, explicou. Os objetivos do plano, vinculado à subsecretaria de Recursos Hídricos, incluem uma base de dados hidrológica para revalorizar os aquíferos como locais de reserva de um recurso “conhecido, previsível e confiável”, embora não seja visto.

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