• 30 de abril de 2013
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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TERRAMÉRICA – Fratura exposta na Argentina

A Argentina abraça a fratura hidráulica como opção para extrair grandes existências de gás natural não convencional.

Buenos Aires, 29 de abril de 2013 (Terramérica).- O entusiasmo do governo e das empresas pelo potencial da Argentina em hidrocarbonos não convencionais é proporcional à resistência que mostram os habitantes das áreas que abrigam esses recursos. Povos originários, moradores, acadêmicos e ambientalistas alertam para o risco de severo dano ambiental que implica a fratura hidráulica (fracking, em inglês), necessária para extrair gás de xisto.

Ao contrário dos hidrocarbonos obtidos por simples extração de uma jazida onde se encontram em estado mais ou menos puro, o gás e o petróleo alojados em rochas de xisto, ardósia e areias betuminosas, entre outras formações, exigem técnicas mais caras e contaminantes.

O gás de xisto se encontra em rochas compactas, sendo necessário quebrá-las com perfurações horizontais que podem ter vários quilômetros de extensão e uma forte pressão de água e outros fluidos. A técnica, que desperta controvérsia nos Estados Unidos e no Canadá, e é proibida na França e na Bulgária, está avançando na Argentina, cujo potencial é considerado enorme.

Diego di Risio, do Observatório Petroleiro Sul, disse ao Terramérica que “o impacto ambiental das tecnologias não convencionais é o dobro do apresentado pelas tradicionais”, pelo território que ocupam e volume de água que consomem. Outras entidades, como a Fundação Ecosur e Plataforma 2012, alertam para o perigo de este tipo de exploração expandir sem um debate profundo.

O Observatório publicou no ano passado o estudo Fratura Exposta. Jazidas não Convencionais na Argentina, em que descreve o uso de produtos químicos que podem contaminar camadas subterrâneas e aquíferos. Além disso, “adia-se o debate sobre a necessária diversificação da matriz energética” da Argentina, que hoje depende em quase 90% do gás e do petróleo, e a fronteira hidrocarbonífera se expande para zonas agropecuárias, segundo o documento.

O Plano Estratégico de Gestão 2013-2017 da empresa de petróleo YPF, nacionalizada em 2012 pelo governo de Cristina Fernández, diz que a Argentina é o terceiro país com maior potencial de gás não convencional, depois de China e Estados Unidos. Na verdade, a primeira plataforma para multifratura na América do Sul foi perfurada em 2008, em território de uma comunidade mapuche da província de Neuquén, sem consentimento de seus habitantes.

A empresa encarregada da operação é a norte-americana Apache, que adquiriu vastas extensões na área. Na comunidade de Gelay Ko (“sem água”, em língua mapuche) vivem cerca de 40 famílias. O povoado fica sobre o aquífero Zapala e as casas estão rodeadas de poços da Apache para exploração não convencional de gás.

Em 2012, após ter apresentado denúncia judicial por falta de consulta à comunidade e de estudos de impacto ambiental, um grupo de moradores ocupou instalações da empresa, mas foram reprimidos e denunciados perante a justiça. O protesto foi liderado pela lonko (líder da comunidade) Cristina Lincopán, de 30 anos, que morreu há um mês por hipertensão pulmonar, contou ao Terramérica o indígena Leftraru Nawel, da Confederação Mapuche Neuqina.

“À mortandade de animais, que já se via quando a exploração era apenas convencional, agora se soma a saúde da população porque são queimados gases no local, muito perto das casas”, denunciou Nawel. Ela explicou que em Gelay Ko, como em outras comunidades mapuches de Neuquén, a água é cada vez mais escassa e salina, a ponto de as autoridades estarem distribuindo água em tambores. Mas a empresa Apache utiliza milhões de litros na fratura.

“As pessoas estão preocupadas com a contaminação do aquífero Zapala – declarado reserva natural pelo município – cuja magnitude ainda não é conhecida”, destacou Nawel. “O problema não é só a quantidade de água que usam, e que não sabemos de onde trazem. Adicionam produtos químicos que se desconhece, porque os dados estão sob proteção de patente”, assegurou. “Tampouco se sabe o que fazem com a água residual. Em Neuquén não há tecnologia para tratar esse tipo de dejeto”, advertiu.

A exploração da Apache situa-se na imensa formação de Vaca Muerta, que inclui dois terços de Neuquén e parte das províncias vizinhas, sendo considerada a maior reserva argentina de gás não convencional. Nos dois últimos anos, esta tecnologia também é registrada em outras regiões do país. Em fevereiro, a presidente inaugurou novas explorações na austral província de Chubut.

Nessa província de água escassa, a advogada Silvia dos Santos apresentou, em nome dos povos originários, recurso de amparo contra as explorações de Aguada Bandera, a 200 quilômetros da cidade de Comodoro Rivadavia, e D-129, frente ao mar, no Golfo de São Jorge. Silvia apresentou o recurso na véspera de serem iniciadas essas explorações, para bloqueá-las por irregularidades no expediente de habilitação e estudo de impacto ambiental. Mas, não teve êxito.

O presidente da YPF, Miguel Galuccio, declarou que em São Jorge se pode encontrar a formação mais importante depois de Vaca Muerta. Nos dois casos, trata-se de jazidas convencionais que também contêm reservas não convencionais. Áreas que não tinham tradição de hidrocarbonos passaram a figura na lista de prospecção e exploração, como Los Monos, na província de Salta, e outra jazida em Entre Ríos.

Sob o solo de Entre Ríos e outras províncias do litoral argentino, parte do Uruguai, Paraguai e sul do Brasil fica o Aquífero Guarani, uma imensa reserva hídrica que é fonte de água potável de múltiplas cidades da região. “Entre Ríos não fazia parte do mapa petroleiro argentino, mas com esta tecnologia houve um deslocamento e agora as organizações ambientalistas estão propondo para a área uma espécie de moratória ou proibição da fratura”, explicou Risio.

Na província de Río Negro, ao sul, ecologistas e moradores vivem se reunindo para trocar informação e atuar contra a expansão da fratura hidráulica na zona de Allen, onde também opera a petroleira Apache. As perfurações ficam muito perto de pomares, segundo denúncia dos produtores, preocupados pelo impacto e pela falta de controle sobre o destino dos resíduos líquidos que deixarão essas operações.

No município de Cinco Saltos, em Río Negro, foi proibida a fratura hidráulica no terreno. Pouco depois, a intendência vetou a norma e mais tarde a Assembleia Legislativa insistiu com sua sanção. Envolverde/Terramérica.

* A autora é correspondente da IPS.

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