• 05 de novembro de 2012
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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TERRAMÉRICA – Mensagem póstuma do furacão Sandy

Na primeira pessoa, o mortífero furacão Sandy nos interpela de seu próprio blog, criado de forma voluntária por Stephen Leahy, jornalista ambiental da IPS.

Uxbridge, Canadá, 5 de novembro de 2012 (Terramérica).- Aqui lhes fala o furacão Sandy. Quando lerem isto, terei deixado de existir, dissipado em ventos cada vez mais fracos, chuvas e acúmulo de neve na região dos Grandes Lagos dos Estados Unidos. Me entristecem os danos e as perdas de vida que causei, mas me assombra que vocês se sintam tão surpresos e comovidos por meu poder incontrolável.

Nasci no dia 22 de outubro e, no transcurso de dez dias, matei mais de 150 pessoas e causei prejuízos de dezenas de milhares de milhões de dólares em vários países do Mar do Caribe e na costa leste dos Estados Unidos. Não haviam se dado conta de que os furacões, os ciclones e outras tempestades nos tornamos mais fortes nos últimos anos? Tampouco notaram que os eventos meteorológicos extremos, como inundações recordes, secas e ondas de calor, aparecem com maior frequência?

Em 2012, os recordes de eventos extremos foram quebrados em todos os Estados Unidos. Em 2011, houve 14 desastres meteorológicos que causaram, cada um, perdas superiores a US$ 1 bilhão, contando inundações, furacões e tornados. Repararam em meus parentes? Apareceram por todo o planeta. Nos últimos 20 anos os eventos extremos tiveram efeitos notáveis em países em desenvolvimento como Bangladesh, Birmânia e Honduras, a nação que mais sofreu com perdas humanas e materiais.

No ano passado, forçamos o deslocamento de 38 milhões de pessoas com desastres como as inundações no Paquistão e na China. E tudo isto ocorre em parte porque o ar e o mar ficaram mais quentes nos últimos 50 anos. O planeta experimenta um aumento de temperatura de oito décimos de grau em relação à era pré-industrial, e chegará pelo menos a 1,6 grau, inclusive se cessarem hoje as emissões humanas de centenas de milhões de toneladas de gases-estufa.

Como o sistema climático responde com certa demora, o atual aquecimento global é resultado das emissões de dióxido de carbono (CO2) no período de 1950 a 1970. Vocês, humanos, deveriam refletir sobre isto. Porque lhes garanto que virá um aquecimento que duplicará o atual. E lamento dizer que, talvez, já seja muito tarde para evitar que se multiplique por três ou mesmo por quatro. Contudo, vocês podem baixar o termostato, se realmente quiserem fazê-lo.

Deveriam saber que no futuro próximo há mais “Frankentempestades”, embora eu considere melhor chamarmos de “antropotempestades”, pois somos causadas pela ação humana. Não hoje ou na semana que vem, mas logo. O clima está sobrecarregado de energia calorífera. O aumento da temperatura global, como já disse, é de 0,8 grau. Mas isso é uma média. Muitos lugares estão bem mais quentes, como o Ártico, cujo termômetro registra elevação entre dois e três graus.

O Canadá é hoje 1,3 grau mais quente do que há 50 anos. E seu aquecimento chegará a quatro graus em mais algumas décadas. As temperaturas dos Estados Unidos tampouco ficarão atrás. Em apenas algumas décadas todo o planeta terá entre dois e três graus a mais de calor. Isso parece pouco, mas é um aumento de 200% ou 300% do aquecimento atual. As tempestades são impulsionadas pela energia calorífera. Nem quero pensar no que poderia vir. Mas, não precisa ser assim. Acreditem, ou não, a humanidade tem o controle remoto do termostato planetário.

O aumento da temperatura do ar e dos oceanos se deve, sobretudo, às emissões de CO2, essas que procedem da queima de petróleo, gás e carvão, de cortar a maior parte das florestas do planeta – as árvores absorvem CO2 atmosférico para crescer – e do desenvolvimento de indústrias insustentáveis. Os Estados Unidos poderiam abandonar as energias emissoras de CO2 e adotar 100% de fontes renováveis até 2030, indicam estudos publicados na revista Scientific American.

Assim, não me amaldiçoem; vocês me fizeram grande à força de combustíveis fósseis. Algumas estimativas situam o valor dos meus danos em US$ 50 bilhões nos Estados Unidos, além de várias centenas de milhões em países do Caribe. Isso é muito dinheiro, suficiente para repartir ao menos US$ 8 para cada habitante do planeta. Entretanto, é apenas uma fração dos US$ 600 bilhões que gastou este ano a indústria do gás e do petróleo em exploração e nova produção, segundo a Oil: The Next Revolution, pesquisa da universidade de Harvard.

Esses US$ 600 bilhões dedicados a combustíveis fósseis trarão tempestades muito maiores do que eu e um clima que nenhum humano jamais presenciou. Serão, na verdade, um “investimento” em eventos extremos que durarão mais de cem anos. Assim, não me amaldiçoem se inundo suas casas, se altero a vida ou os faço passar por algo pior, como perder um ente querido. Os furacões e as tempestades tropicais somos as válvulas de pressão da natureza.

Não é culpa nossa que nos tenham amplificado com enormes quantidades de gases provenientes da combustão de hidrocarbonos, injetados como esteroides na atmosfera. Dia após dia, somam-se milhões de toneladas de CO2, e se engrossa a cobertura atmosférica que prende o calor do Sol. Uma tonelada de CO2 equivale a três barris de petróleo (de 159 litros) e “vive” na atmosfera por um século. Isto significa que cada barril de petróleo, cada tonelada de carvão e cada metro cúbico de gás que se queima asseguram mais e mais calor sob essa cobertura para os próximos cem anos.

Fico espantado por vocês gastarem US$ 600 bilhões para buscar novas fontes de combustíveis fósseis, quando já existe suficiente capacidade produtiva para elevar as concentrações de CO2 atmosférico das atuais 390 partes por milhão (ppm) para além de 450 ppm. É um investimento curioso, justo quando seus especialistas e governantes asseguram que querem reduzir essa concentração para 350 ppm, um nível mais seguro que já ficou para trás. Pensem nisso quando se esquecerem de mim. Envolverde/Terramérica

* Fala o furacão Sandy (http://hurricanesandyspeaks.com) – blog em inglês de Stephen Leahy, correspondente da IPS

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