• 17 de setembro de 2012
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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TERRAMÉRICA – Pouca ecologia em acordo

Acordo de Associação entre a UE e a América Central poderá agravar os problemas de sustentabilidade desta região latino-americana.

Cidade da Guatemala, Guatemala, 17 de setembro de 2012 (Terramérica).- O Acordo de Associação entre América Central e União Europeia (UE) elevará a pressão ambiental e social no istmo, alertam especialistas e ativistas. Contudo, nem tudo é espinho. “Pode-se esperar um aumento na operação de indústrias extrativistas”, que trazem consigo “repercussões ambientais e sociais negativas”, disse ao Terramérica Juventino Gálvez, diretor do Instituto de Agricultura, Recursos Naturais e Meio Ambiente da jesuíta Universidade Rafael Landívar.

Este foi um aspecto delicado em vários países. Na Guatemala, por exemplo, a empresa Montana Explotadora, subsidiária da canadense Goldcorp, foi acusada de contaminar rios e afetar o fornecimento de água de 18 comunidades indígenas no departamento de San Marcos, por explorar ouro na mina Marlin. Em maio de 2010, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos solicitou ao Estado a suspensão da operação da mina, mas esta continua funcionando. “A institucionalidade nacional é precária, e é conhecida a tendência de desrespeitar a legislação, por si só vaga e permissiva”, destacou Gálvez.

A entrada em vigor do Acordo de Associação, assinado em 29 de junho por União Europeia, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá, depende da ratificação no Parlamento Europeu e nos poderes legislativos dos seis países centro-americanos. O Acordo implica compromissos mútuos em três áreas: diálogo político, cooperação e comércio.

Em matéria comercial, habilita o ingresso recíproco sem tarifas alfandegárias de produtos agrícolas (café, frutas, vegetais e carnes), têxteis e industriais; investimentos em serviços como finanças, comunicações e transporte; e compras governamentais, entre outros. Em cooperação, promove a assistência técnica e o intercâmbio no uso de energias limpas, mineração, turismo, pesca, transporte, desenvolvimento sustentável e meio ambiente. A parte mais significativa sobre temas ambientais se encontra neste capítulo, cujo Título V compreende também desastres naturais e mudança climática, dois aspectos cruciais para o istmo.

Em diálogo político, propõe-se impulsionar interesses comuns no Estado de direito, a boa governança, a democracia, os direitos humanos, a igualdade de gênero, os direitos dos povos indígenas, a redução da pobreza e as migrações. Para Gálvez, se for somada a “potencial” expansão das monoculturas, aumentarão os conflitos derivados da “competição entre projetos agroindustriais e comunidades rurais pelo acesso a recursos estratégicos”. O cultivo de palma, cuja superfície plantada triplicou entre 2003 e 2010, gerou violentos conflitos agrários, sobretudo no norte guatemalteco, com centenas de camponeses abandonando suas terras e vários mortos em confrontos com a polícia.

Para Miguel Mira, do não governamental Centro de Pesquisa sobre Investimento e Comércio, de El Salvador, “o único interesse destes tratados é abrir para as grandes empresas transnacionais mais mercados para o comércio e os investimentos, enquanto os temas trabalhista e ambiental não são relevantes”. Na América Central, com 43 milhões de habitantes, quase metade da população é pobre. E a pobreza é mais profunda nas zonas rurais. A assimetria é evidente com a UE, de 500 milhões de habitantes e uma das zonas mais ricas do planeta, que até agora representa apenas 10% do comércio exterior centro-americano.

No ano passado, o bloco europeu vendeu ao istmo produtos no valor de US$ 36 bilhões e importou o equivalente a US$ 31,6 bilhões, com superávit de US$ 4,4 bilhões a favor da UE, segundo dados da Comissão Europeia. As vendas centro-americanas se centraram em equipamentos de telecomunicações e escritório (53,9%) e produtos agrícolas (quase 35%, em 2010), enquanto os bens mais importantes comprados da UE são maquinário e transporte (48%) e produtos químicos (12%).

“A lógica do Acordo de Associação é a do livre comércio e todos os demais aspectos de relações interacionais a ela sujeitos”, explicou o ativista Erik Van Mele, da organização não governamental internacional Oxfam Solidariteit. Embora no acordo se aborde o desenvolvimento sustentável e o meio ambiente, não está garantida a proteção da América Central, uma das regiões do mundo mais ricas em biodiversidade.

O Artigo 284 sobre comércio e desenvolvimento sustentável “estipula que estes temas ficam excluídos dos procedimentos para resolver conflitos eventuais”, detalhou Erik. Além disso, há interpretações diversas sobre o desenvolvimento sustentável, acrescentou. Por exemplo, a promoção de agrocombustíveis como “energia verde” para substituir combustíveis fósseis “pode se traduzir em desmatamento para dar lugar a monoculturas, ou em fome derivada da alta de preços do milho, de consumo básico na região, por sua alta demanda para transformá-lo em etanol”, alertou.

Uma avaliação do acordo, solicitada pela Comissão Europeia em 2009, concluiu que, além de seus benefícios econômicos e comerciais, geraria maior pressão sobre a terra, os recursos costeiros e marítimos, e alertou para o aumento das monoculturas. Também sugeriu medidas para minimizar os impactos, a serem adotadas no contexto da cooperação.

Gustavo Hernández, coordenador em Bruxelas da representação da não governamental Associação Latino-Americana de Organizações de Promoção do Desenvolvimento, disse ao Terramérica que os mecanismos de sanção “não são vinculantes” e há “escassa participação da sociedade civil, sobretudo das populações majoritárias que serão mais afetadas” pelo acordo.

Para Luiz Muñoz, do Centro Guatemalteco de Produção Mais Limpa, a experiência do Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos, vigente na Guatemala desde 2006, mostra que foram geradas exigências positivas. “Quando se vincula a questão ambiental com a econômica, se torna atraente para as empresas o investimento de tempo e recursos no ambiental”, explicou.

Além disso, deve-se considerar o intercâmbio de tecnologia e o desejo de competitividade, acrescentou Muñoz. “Antes, a pressão para aprovar leis ambientais era muito baixa, mas do TLC com os Estados Unidos surgiu o regulamento de águas residuais”, ressaltou. Também admitiu que toda indústria gera impactos, mas se deve “buscar um equilíbrio”, lembrando que, “sem os benefícios do café, por exemplo, quanta gente ficaria sem renda? E não falo dos proprietários”. Envolverde/Terramérica

* O autor é correspondente da IPS.

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