TERRAMÉRICA – Quando o trem passa, mas não chega
O incessante transporte de carvão para a exportação no norte da Colômbia deixa pouco mais que pó e ruído para os habitantes rurais que veem o trem passar.
Tucurinca, Colômbia, 10 de junho de 2013 (Terramérica).- Goyo, como José Hernández é chamado, conta que não recebe uma máscara para não aspirar pó de carvão dispersado pelos 13 trens que, durante suas 12 horas de turno de trabalho, atravessam esta aldeia do município Zona Bananera, no departamento colombiano de Magdalena. Os trens passam a 80 quilômetros por hora, sem nada cobrindo as 160 mil toneladas diárias do mineral negro extraído de jazidas a céu aberto 226 quilômetros a sudeste, no vizinho departamento de Cesar.
A extração é feita pelas empresas Drummond (norte-americana), Glencore Xstrata (suíça, Prodeco na Colômbia) e Colombian Natural Resources, do banco de investimento norte-americano Goldman Sachs. Goyo veste o uniforme de uma empresa de segurança privada a serviço da Fenoco S. A. (Ferrovias do Norte da Colômbia Sociedade Anônima), concessionária da estrada de ferro Atlántico desde 1999 e que tem entre seus sócios as próprias corporações. O vigilante cuida da passagem do trem de carvão pela principal rua de Tucurinca.
Letreiros em inglês nos 120 vagões puxados por três locomotivas indicam que cada um pesa 19,1 toneladas e seu limite de carga é de 60.750 quilos. Estão lotados até o topo de carvão térmico de alto grau, submetido, em obediência à lei ambiental, a um sistema de umectação (ligeiramente úmido) da camada superior, para minimizar a dispersão de partículas pelo vento.
Um relatório técnico da Controladoria Geral da República, de dezembro de 2012, considera que a umectação não é suficientemente efetiva “para neutralizar as perdas de partículas de carvão”. Existem estudos apenas sobre “as operações e atividades em terra nos portos”, acrescenta o órgão controlador, o que não permite “conhecer o impacto sinérgico e de área de todas as atividades relacionadas com a exportação de carvão, isto é, transporte por ferrovia ou caminhões, armazenamento e transporte dos navios”.
Quando o trem vem, Goyo coloca ao lado da linha férrea dois cones de plástico alaranjados, unidos por uma corda com uma pequena placa de metal vermelha onde se lê “PARE”, escrito com letras brancas feitas à mão. Nada parecido com uma barreira fechando a passagem de nível. Apenas um aviso de um metro quadrado, a seis metros da ferrovia, alerta para o perigo. Goyo é querido pelas pessoas de Tucurinca. Dizem que ele e seu colega no turno salvaram a vida de três desesperados que tentaram se atirar na frente do trem.
Tucurinca não tem rede de esgoto, mas aqueduto, que funciona apenas seis horas a cada dois dias. Por isso é comum as mulheres lavarem roupa às 10h20 da manhã no canal que corre ao pé da ferrovia. A essa hora começa o abrasador calor, que ao meio-dia chegará aos 34 ou 36 graus centígrados. Elas entram até a cintura na água e ensaboam, esfregam e enxaguam. Também lavam os cabelos. Sorriem. De dentro da água, Amparo Padilla diz que o pó do carvão não produz fuligem, que a roupa colocada para secar não suja.
Ana Rosa Figueras não tem água encanada em sua choça, também ao pé da ferrovia mas do outro lado do canal. “Vivo sozinha, como vou trazer a água”, disse ao Terramérica. Em seu jardim há um medidor da qualidade do ar, com um pequeno tacho metálico. Alguns homens “vêm a cada dois dias, destapam a casinha, olham um papel e fazem anotações. Vêm olhar o pó do carvão”, contou. “Estudam para ver se causa doença”, acrescentou, apressada, como se a água do canal também fosse acabar. Conforme lava a roupa, esta pequena mulher cruza com dificuldade a via férrea, carregando as peças molhadas para pendurar no andaime onde fica o medidor e que ela aproveita como varal.
María Josefa Arteaga, uma idosa de camiseta alaranjada, considera que as gigantes do carvão não pagam nada por alterarem a vida da aldeia. As pessoas se queixam de problemas que não eram tão comuns antes, “quando havia trem”, isto é, quando este era para passageiros e trazia e levava mercadorias. Agora o trem passa, mas não chega. Passa de longe com carvão. Na região afirmam que o trem está transmitindo “doença” ao meio ambiente e que tudo está contaminado pelo pó, que provoca asma e bronquite crônica.
Contudo, não há estatísticas, ou não são confiáveis, como evidencia a Controladoria quanto aos estudos sobre diferentes impactos desta indústria. As licenças ambientais não impõem requisitos para o monitoramento de partículas em suspensão de menos de 2,5 micras, algo “indispensável para a adoção de medidas para reduzir ou mitigar os possíveis efeitos sobre a saúde da presença de material particulado proveniente das atividades de exportação de carvão”, afirma a Controladoria.
Outros impactos, mais evidentes, são a vibração repetitiva, que causa rachaduras nas casas, e o barulho. Os decibéis que o trem produz ficam entre dez e 85 vezes acima do ruído aceitável. “Tremem portas e janelas. Há casas que estão rachadas. Tapam as rachaduras e vão embora”, disse o comerciante de gado Luis González, encostado no muro de sua casa diante da ferrovia.
“À noite, passa um trem a cada 15 minutos, 20, no mais tardar. Já me acostumei e não acordo. Antes apitava no meio da noite. Se sentia quando vinha”, disse González. “Claro que o trem me causa problemas”, afirmou sua vizinha Ramona María Moreno, que nasceu em 1924, acrescentando que, protestando sozinha, não teria chegado a ser velha. “Se o povo não se mexe, não há nada a fazer. O que faço me queixando se os demais não me acompanham?”, ressaltou.
A Colômbia exporta entre 92% e 95% do carvão que produz, e é o quinto produtor mundial. Do carvão consumido na Europa, 35,3% é colombiano, segundo a Statiscal Review of World Energy 2012, da British Petroleum. Mas esta indústria estabelece mínima cadeia produtiva e, portanto, não dinamiza de forma direta a economia, “ao menos de maneira apreciável em relação ao valor explorado”, segundo o estudo da Controladoria intitulado Mineração na Colômbia: Fundamentos para Superar o Modelo Extrativista, apresentado em maio de 2013.
Por isso, em Tucurinca, como em outros povoados ao longo da viagem do carvão até o mercado global, o trem passa, mas não chega. (Envolverde/Terramérica)
* A autora é correspondente da IPS.