Tapete vermelho para o setor privado
Fundos prometidos em reuniões anteriores da Convenção Clima não têm recursos para financiar o investimento necessário em mitigação e adaptação às mudanças climáticas nos países pobres. Já empresários do setor do carvão patrocinam a conferência na Polônia.
Choca ver grandes emissores de gases causadores do efeito estufa patrocinando uma conferência sobre mudança do clima da ONU. Mas a vontade dos anfitriões poloneses em fazer uma ponte com o mercado de carvão – do qual o país é um expoente – é apenas a ponta do iceberg de uma receptividade que vai mais além. Da Austrália aos Estados Unidos, passando por uma hesitante União Europeia, são muitos os países que estão acenando às empresas, na esperança de que estas paguem a conta das mudanças climáticas.
O discurso mais contundente veio, obviamente, do negociador-chefe dos Estados Unidos, Todd Stern, em evento realizado em outubro em Londres, onde ele reafirmou a posição norte-americana de contar com mais dinheiro do setor privado. Essa posição acaba de ser reforçada pela Austrália: segundo a mídia local, o país não fará novos compromissos financeiros.
Estudo da Oxfam divulgado esta semana mostra que nada menos que 24 países desenvolvidos ainda não confirmaram aportes para o clima este ano. Para 2014, a situação é ainda pior, uma vez que as nações responsáveis por 81% do fundo de curto prazo anunciado em Copenhague, na CoP-15, não divulgaram qualquer cifra.
Segundo a pesquisa, não é por falta de dinheiro que as negociações climáticas podem enfrentar um impasse: entre 2001 e 2005, os países desenvolvidos desperdiçaram entre US$ 55 bilhões e US$ 90 bilhões por ano com subsídios aos combustíveis fósseis que deveríamos estar substituindo por energias limpas.
Enquanto isso, os recursos dos países desenvolvidos destinados ao clima alcançam apenas US$ 7,6 bilhões em 2013, valor que já expurga empréstimos a serem devolvidos. Nas negociações climáticas, os anúncios de ajuda financeira somam apenas US$ 8,3 bilhões.
Ou seja, “a pergunta de 100 bilhões de dólares” continua na mesa sem uma resposta clara. O fundo de curto prazo, anunciado na COP-15, e cujo período de validade se encerrou no ano passado, mostrou bem como recursos de toda origem e natureza podem receber uma dupla contabilidade. Já há quem diga que os recursos anunciados naquela COP para o período de 2015 a 2020, de outros US$ 100 bilhões por ano, nada mais são que uma distração, pois se aplicados os mesmos critérios contábeis dos recursos de curto prazo, eles serão, em boa parte, uma peça de ficção.
Os países em desenvolvimento precisam de um mapa claro e um cronograma previsível sobre o tipo e o montante dos recursos climáticos com os quais podem contar. Isso é crucial para o planejamento e priorização de ações de adaptação e mitigação. Mas é justamente dos países em desenvolvimento que vem a maior resistência à inclusão oficial dos recursos privados na contabilidade climática da ONU. O raciocínio é simples: investimentos privados seguem a lógica do mercado e, portanto, deixarão de fora tudo que não for lucrativo. Países em desenvolvimento que não são mercados de consumo atrativos sabem bem como essa lógica é perversa e, por isso, são totalmente contra esse expediente.
Só que um entendimento e compromisso sobre as “finanças para o enfrentamento das mudanças climáticas” é um dos pontos onde Varsóvia não pode falhar. Na COP-17, em 2011, as partes decidiram iniciar um programa de trabalho sobre finanças de longo prazo no ano seguinte. O objetivo era progredir na mobilização dos US$ 100 bilhões ao ano até 2020 para ações de mitigação e adaptação nos países em desenvolvimento. Veio a COP-18, no ano passado, e, com ela, o relatório desse grupo de trabalho, com pontos de convergência e recomendações. As decisões, no entanto, ficaram para este ano.
Não por acaso, o primeiro Fóssil do Dia – prêmio que as organizações não governamentais que acompanham as negociações entregam aos dinossauros que mais atravancam as negociações – foi para a Austrália, por sua recusa em contribuir financeiramente. Vamos torcer para que o constrangimento causado pela premiação iniba outros negociadores a seguir o caminhos dos ‘aussies’.
*Délcio Rodrigues, especialista em mudanças climáticas, e Silvia Dias, membro do Conselho Deliberativo / Vitae Civilis