Governo encaminhará texto construído pelo Meio Ambiente para votação no plenário da Câmara, mas ruralistas apresentarão destaques sobre áreas protegidas e critérios geográficos
O presidente Michel Temer decidiu nesta quarta-feira (10) que o governo apoiará o texto de lei geral de licenciamento do Ministério do Meio Ambiente.
O projeto costurado há meses pelo ministro Sarney Filho (PV-MA) será encaminhado para votação diretamente no plenário da Câmara, contornando a Comissão de Finanças e Tributação da Casa, dominada pela bancada ruralista.
Os ruralistas, no entanto, apresentarão dois destaques no plenário que, se aprovados, poderão comprometer a essência da lei e enfraquecer a proteção ambiental no país.
A intervenção presidencial resolveu um conflito entre Sarney Filho e o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha (PMDB-RS). Padilha e os técnicos de sua pasta apoiavam o projeto de licenciamento relatado pelo deputado ruralista Mauro Pereira (PMDB-RS), que essencialmente acabava com o instituto da licença ambiental no país.
O texto de Pereira isentava de necessidade de licença um grande número de atividades, que iam da agropecuária extensiva à pavimentação de estradas na Amazônia. Também deixava o rigor do licenciamento inteiramente a critério de Estados e municípios. Isso poderia criar o que Sarney chamou de “guerra fiscal ambiental”, na qual cada Estado tentaria afrouxar mais as regras de licenciamento de modo a atrair mais empreendimentos.
Apelidado de “licenciamento flex”, o projeto dos ruralistas seria votado na comissão de finanças nesta quarta-feira, mas foi retirado de pauta para que o assunto fosse debatido no Palácio do Planalto, o que aconteceu no fim da tarde.
Além de Sarney e Padilha, foram chamados para a reunião o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Nílson Leitão (PMDB-MT) e o líder do PSDB na Câmara, Ricardo Trípoli (SP), autor do projeto de lei que embasou o texto do MMA.
Segundo o OC apurou, Temer ficou incomodado com um artigo publicado nesta quarta-feira no jornal Folha de S.Paulo pelo ambientalista Fabio Feldmann, que foi vizinho de gabinete do ora presidente quando ambos eram deputados federais.
No texto, Feldmann sutilmente acusa o ex-vizinho de usar questões socioambientais como moeda de troca no Congresso para garantir votos da numerosa bancada ruralista para as reformas. Ataca a proposta de Mauro Pereira, “escrita nos subterrâneos da Casa Civil por funcionários de terceiro escalão”, e questiona o fato de que Temer, professor de Direito constitucional, deixaria como legado uma lei de licenciamento contaminada “por evidentes inconstitucionalidades” e que seria judicializada tão logo fosse aprovada.
Pela batida de martelo do presidente, a versão que será encaminhada a plenário será o texto do Ministério do Meio Ambiente datado de 4 de abril.
Essa versão ainda é criticada por ambientalistas. Além de isentar o agronegócio de necessidade de licença, ela reduz o papel da Funai no licenciamento, dando prazos curtos ao órgão indigenista para analisar os processos e determinando que a ausência de manifestação deste não obstará o andamento dos empreendimentos. “Ainda corre o risco de judicializar com essa questão da Funai”, disse Feldmann ao OC.
De qualquer forma, concorda o advogado, trata-se de um avanço significativo em relação ao cenário que se armava na Câmara de desmonte do licenciamento.
O acordo feito no Planalto, porém, ainda dá aos ruralistas dois trunfos significativos.
Eles apresentarão dois destaques ao texto do MMA, derivados do projeto de Mauro Pereira. Um deles retira do Instituto Chico Mendes e outros órgãos gestores de unidades de conservação a prerrogativa de vetar obras que danifiquem áreas protegidas. Este dispositivo mutila a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, e pode ter impactos permanentes sobre a proteção da biodiversidade – que, no governo Temer, encontra-se sob fogo cerrado.
O outro destaque, ainda mais problemático, fere a própria essência da lei de licenciamento: ele retira o critério locacional para as obras.
O projeto do MMA utiliza a geografia como parâmetro para definir o rigor da licença. Assim, um posto de gasolina na cidade de São Paulo teria licenciamento simplificado, enquanto uma estrada na Amazônia passaria por um processo rigoroso, com estudo de impacto ambiental.
O que os ruralistas proporão é que a definição do rigor fique com Estados e municípios. Pereira voltou a insistir nesse ponto hoje, antes da reunião no Planalto. “Os Estados e os municípios são onde as coisas acontecem. O Estado que estiver adequado vai ter autonomia. O município que estiver adequado vai ter autonomia.”