Terramérica – Keystone XL em um perigoso limbo
Nova York, Estados Unidos, 24 de fevereiro de 2014 (Terramérica).- A reserva de Pine Ridge do povo lakota, na região do meio-oeste dos Estados Unidos, é um dos locais mais abandonados do país, e do mundo. O desemprego na reserva gira em torno de 80% e só uma pessoa em cada dez terminou o ensino secundário. A expectativa de vida das mulheres é de 52 anos, a dos homens 48. Metade dos que têm mais de 40 anos sofre de diabetes. E uma em cada quatro crianças nasce com síndrome fetal alcoólica.
Assim, quando as grandes empresas que projetam o polêmico oleoduto Keystone XL traçaram sua rota contornando Pine Ridge, é possível que tenham pensado muito pouco nessa comunidade que não chega a 30 mil habitantes. No máximo, terão suposto que os lakota se alegrariam com alguns empregos. Mas o que Pine Ridge não tem em bens materiais sobra em apego ao seu ambiente.
Em 2012, quando caminhões de uma construtora de oleodutos quiseram atravessar o território da reserva, no Estado de Dakota do Sul, foram bloqueados pelas autoridades nativas e outros moradores que tinham lançado um alerta na página do Facebook da emissora de rádio local. Mesmo pobres, os lakota sabem que os possíveis empregos que a obra gerar no lugar terão vida curta e que a manutenção do oleoduto será feita por técnicos especializados que virão de outras partes.
Debbie White Plume, ativista lakota que vive em Pine Ridge, afirmou que o oleoduto vai contra a concepção de vida e a relação de seu povo com a natureza. Eles não vão permitir que se construa sem lutar, afirmou ao Terramérica por telefone. Plume contribui na organização do Mocassins no Chão, um programa que instrui os nativos nas habilidades e táticas da ação direta não violenta.
Viajando de uma comunidade a outra nessa reserva, Plume ensina seus habitantes sobre os direitos que têm como cidadãos e formas de protestar contra a invasão das corporações. “Vemos o que está causando a exploração de areias betuminosas no Canadá e a exploração de petróleo nas Dakota, como corroem, violam e ferem a mãe Natureza. Sabemos que é o mesmo ecossistema e que todos precisamos viver nele”, ressaltou.
O XL é a última de quatro fases do sistema de oleodutos Keystone para transportar o betume diluído extraído das areias petrolíferas de Alberta, no sudoeste do Canadá, até o Golfo do México, no sudeste dos Estados Unidos, para ser refinado. O óleo dessas areias é altamente corrosivo e um dos combustíveis fósseis mais contaminantes. Exige grandes quantidades de energia para ser extraído e nesse processo gera subprodutos como o coque de petróleo, substância sólida com grande conteúdo de enxofre que quando queimada é mais suja do que carvão.
O trecho norte-americano da quarta fase do oleoduto se estenderia entre o povoado fronteiriço de Morgan, em Montana, noroeste do país, e a central Steele City, em Nebraska, onde se conectaria com tubulações já existentes que se dirigem para o sul. O trecho norte final atravessaria vários rios importantes, como os dois Vermelho, o Misuri e o Yellowstone, e passaria sobre o aquífero Ogallala, uma fonte de água doce subterrânea que abastece mais de um quarto das terras agrícolas irrigadas do país.
Se chegar a ser construído, transportará por ano o equivalente a 181 milhões de toneladas de dióxido de carbono. Embora o traçado contorne o território da reserva de Pine Ridge, na realidade passa entre este e Rosebud Reservoir, onde as comunidades lakota extraem a água.
“Para nós, esta é nossa água”, pontuou Plume em uma reunião realizada em agosto de 2013, em Bridger, Dakota do Sul. “Veneramos nossa água e temos de protegê-la”. Segundo a ativista, os lakota também conseguiram o apoio de pecuaristas e agricultores não indígenas em lugares como Nebraska, que temem que a contaminação arruíne suas terras.
Vazamentos
Com o boom da exploração das areias de Alberta, os acidentes estão aumentando. Em março de 2013 vazaram entre cinco mil e sete mil barris de óleo pesado no oleoduto Pegasus da ExxonMobil em Mayflower, Arkansas, causando um desastre ambiental. Em outubro vazaram 20.600 barris de óleo de outro duto em Dakota do Norte.
Segundo o PBS, o serviço de televisão pública dos Estados Unidos, no ano passado foram registrados 362 vazamentos de oleodutos nos Estados Unidos. E em Alberta os acidentes também são comuns. Uma investigação descobriu que nessa província canadense houve 25 mil vazamentos nos últimos 37 anos.
Com esses antecedentes, um vazamento em Keystone é quase certo. Quando alguns ativistas do Kansas se fecharam em um segmento recém-instalado do trecho sul do sistema Keystone, o sol entrava pelos enormes buracos de uma coberta externa que deveria ser à prova d’água. Nesse mesmo dia esse trecho afundou.
Corrupção
Após anos de campanha contra o projeto, o Departamento de Estado publicou seu informe de impacto ambiental no dia 31 de janeiro. O documento afirma que o oleoduto não elevaria de forma significativa as emissões de carbono. Esse é o fator que o presidente Barack Obama tomou como elemento para vetar ou aprovar o projeto. O estudo também afirma que, se faça ou não o oleoduto, as areias petrolíferas continuarão sendo exploradas no mesmo ritmo e serão exportadas por trem.
Estudos da indústria mostram, porém, que o sistema ferroviário é incapaz de absorver maior transporte de óleo. Legisladores do governante Partido Democrata pedem que o governo adie sua decisão de impacto até que seu próprio inspetor-geral termine uma investigação sobre possível conflito de interesses da empresa contratada pelo governo para fazer a avaliação, a Environmental Resource Management (ERM).
Grupos de ecologistas divulgaram documentos mostrando que o Departamento de Estado fez poucos esforços para verificar se a informação da ERM é verídica. Com sede em Londres, a empresa recebe boa parte de seus ganhos de contratos com empresas como Conoco Phillips, Chevron, ExxonMobil e Canadian Natural Resources, todas beneficiárias do futuro oleoduto e das areias de Alberta.
Vários dos analistas que redigiram a avaliação aparecem como ex-empregados da TransCanada, a empresa construtora do oleoduto. “Apresentamos toneladas de provas de que a ERM mentiu em suas declarações”, disse ao Terramérica o ativista da Amigos da Terra, Ross Hammond. “Para os investidores em geral, Keystone é um assunto crítico, e o Departamento de Estado escamoteou a questão”, acrescentou.
“Assim, na essência, eles dizem que, como não há impacto climático, podem construir Keystone. Há instâncias em que a análise é realmente deficiente”, destacou Hammond. A Amigos da Terra afirma que a TransCanada planejou contratar ex-funcionários do governo Obama como lobistas junto ao Departamento de Estado.
Anita Dunn, ex-diretora de comunicação da Casa Branca e agora lobista-chefe de uma firma que representa a TransCanada, visitou seu antigo emprego mais de cem vezes depois de deixar o cargo em 2009. “A única forma de aprová-lo é ignorar as múltiplas mentiras que a TransCanada contou. Lamento ver que isso não incomoda o Departamento de Estado”, enfatizou o representante democrata Raúl Grijalva.
Estão correndo os 30 dias, que terminam em 7 de maço, para apresentação de comentários ao informe. A última vez que abriu essa possibilidade, o Departamento de Estado se viu inundado com mais de 1,5 milhão de cartas, emails e faxes, a imensa maioria desaprovando o plano.
Em Pine Ridge a decisão é clara. “Nossa história nos coloca neste lugar desde o começo dos tempos. Esperamos que o presidente Obama diga não. Mas, se disser sim, então poremos nossos mocassins no chão e nos lançaremos à desobediência civil”, afirmou Plume. Envolverde/Terramérica