• 11 de novembro de 2016
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Terremoto Trump sacode Marrakesh

Vitória de negacionista do clima na eleição americana vira tema do dia nos corredores da COP22,
mas países evitam manifestar derrota para a agenda de implementação do Acordo de Paris

Não se falou de outra coisa no pós eleição nos EUA na COP22. A conferência do clima de Marrakesh acordou na quarta-feira (9) com a notícia de vitória de Donald Trump, e diplomatas, funcionários de governos, ambientalistas e cientistas passaram o dia tentando entender o que aconteceu.

Nos corredores do Bab Ighli, o conjunto de tendas gigantes montado para receber a COP, expressões de desânimo, resignação e uma ou outra lágrima se sucederam, em meio a questionamentos sobre o futuro das negociações e da implementação do Acordo de Paris. Organizações de juventude cantaram uma cantiga de luto em protesto.

Trump, afinal, elegeu-se chamando o aquecimento global de “fraude inventada pelos chineses” e jurando que cancelaria a participação americana no acordo do clima. O medo de que ele viesse a ser eleito fez Barack Obama acelerar a ratificação americana e a ONU correr para pôr Paris em vigor antes da eleição. Marrakesh começou com o pleito nos EUA como seu principal subtexto – e terminará sob influência de seu resultado, para o bem ou para o mal.

Para o público externo, porém, os negociadores faziam cara de paisagem hoje. Nenhum comentário sobre o significado da eleição por parte dos principais países poluidores. As pequenas nações insulares, potencialmente as maiores vítimas de qualquer atraso na implementação de medidas ambiciosas de corte de emissão, adotaram durante o dia a atitude de esperar para ver.

“O presidente eleito Donald Trump tem sido fonte de muita confusão sobre a mudança climática ao longo do último ano, mas, agora que a eleição acabou, espero que ele se dê conta de que a mudança climática é uma ameaça a seu povo e a outros países que compartilham o mar com os Estados Unidos, incluindo o meu”, disse Hilda Heine, presidente das Ilhas Marshall.

Negociadores brasileiros também mantiveram o silêncio, aguardando a manifestação de Brasília. Ela veio, protocolar, à tarde, na forma de uma nota de três linhas do presidente Michel Temer felicitando Trump pela vitória.

Ambientalistas evitaram o discurso de fim do mundo. Lembraram que a ação climática hoje não depende apenas dos EUA e que Paris foi ratificado por 102 outras nações – inclusive a China, maior parceiro e competidor dos Estados Unidos na arena global. Um ambientalista peruano comparou a reação à vitória de Trump à das vítimas de um terremoto: a única reação possível é reconstruir.

Até o antiprêmio Fóssil do Dia, concedido pela sociedade civil para o país que mais atrapalha as negociações, passou ao largo de Washington e foi para a Alemanha.

“A eleição de Trump é um desastre, mas não pode ser o fim do processo climático internacional. Nós não vamos desistir da luta, e a comunidade internacional também não deveria desistir. Trump vai tentar meter o pé no freio da ação climática, o que significa que nós precisamos jogar todo o peso no acelerador”, disse May Boeve, diretora-executiva da 350.org.

Se o presidente Trump cumprir o que prometeu o candidato Trump, os EUA sairão do Acordo de Paris. Só que não vai ser fácil. Pelas regras do tratado em vigor, partes que o ratifiquem só podem sair após três anos, e o processo de saída, uma vez iniciado, pode levar um ano – ou seja, o trâmite inteiro duraria o tempo de mandato do republicano.

Mas Trump pode ser mais radical ainda – de fato, mais radical que o último cético do clima a assumir a presidência dos EUA, George W. Bush – e pular fora da própria Convenção do Clima, assinada em 1992, vejam só, por um republicano. Neste caso, o processo poderia levar menos tempo, um ano. Mas haveria sanções diversas de diversos países aos EUA, como lembrou Aldem Meyer, da União dos Cientistas Responsáveis.

O mais provável é que Trump simplesmente deixe de priorizar o combate à mudança climática: pare de se esforçar para cumprir a NDC americana e recuse dinheiro público americano para o Fundo Verde do Clima. Neste caso, sim, poderá haver atraso na implementação de Paris e, sobretudo, no corte de emissões pelos EUA. “A ciência não pode esperar nada de positivo dele sobre a ação climática. O mundo agora precisa ir adiante sem os Estados Unidos”, disse o diretor do Instituto de Pesquisa de Impactos Climáticos de Potsdam, Hans-Joachin Schelnnhuber.

Possivelmente isso levará embora para sempre a perspectiva de estabilizar o aquecimento global em 1,5oC, já que a ONU disse na semana passada que a janela para isso deve ser fechar em 2020.

Por outro lado, muita coisa mudou desde a época em que Bush rejeitou o protocolo de Kyoto. Os EUA agora não são mais donos de 25% das emissões globais; sua fatia caiu para 17%, ultrapassados pela China, não dá sinais de que vai recuar. Em Paris, as metas não são apenas americanas, mas de todos os países. O peso dos EUA diminuiu, bem como a dependência dos EUA para um acordo efetivo.

Segundo um negociador-sênior do G77, o bloco das nações em desenvolvimento, o ímpeto negacionista de Trump também pode ser arrefecido por pressões de setores do empresariado ligados às energias limpas – que hoje geram mais empregos do que o carvão e respondem por uma parcela crescente do PIB americano.

Outro cenário possível é que a COP22 ganhe um impulso renovado após o “Trumpocalipse”. Países como o Brasil já vinham insistindo para que o calendário de regulamentação do acordo seja adiantado para 2018 em vez de 2020. Essa ideia pode ganhar tração nos próximos dias.

Nesta quarta-feira, as nações insulares propuseram que a COP inclua em sua agenda definições sobre como será o processo de “diálogo facilitado”, a primeira conversa formal sobre aumento de ambição, marcada para 2018. E a Ailac, a associação de países da América Latina e do Caribe, quer adiantar definições sobre o chamado “stocktake”, que impulsionaria a ambição da segunda fase das NDCs a partir de 2020.

Empresas contempladas