• 26 de janeiro de 2017
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Trump derruba veto a oleodutos polêmicos

Em menos de três minutos, no seu quarto dia de mandato, novo presidente dos Estados Unidos assina decretos que prejudicam clima, terras indígenas e o licenciamento ambiental.



Por Claudio Angelo e Camila Faria, do OC –



Nunca antes na história deste planeta tantos retrocessos ambientais aconteceram num intervalo de tempo tão curto. Nesta terça-feira (23), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deu três canetadas que prejudicam o clima, os povos indígenas e o licenciamento ambiental – tudo isso num intervalo de dois minutos e meio. Trump completou hoje quatro dias no cargo, o que faz imaginar o que ele será capaz de fazer em quatro anos.



Dois decretos (chamados nos EUA de “ordens executivas”) retiram o veto à construção de dois polêmicos oleodutos que permitirão o refino de petróleo extraído de fontes não-convencionais. O terceiro acelera o licenciamento ambiental para obras de infraestrutura de interesse do governo. É a versão americana do “licenciamento a jato” que o senador Romero Jucá (PMDB-RR) tentou aprovar no Brasil, até aqui sem sucesso.



A primeira ordem assinada pelo presidente diz respeito ao oleoduto Keystone XL. O nome certo seria “betumeduto”, já que o objetivo da tubulação de 2.700 quilômetros (pouco menos que a distância São Paulo-Belém) é trazer por dia 830 mil barris de betume do Canadá, para serem refinados e exportados em Houston, no Texas.



O betume é extraído das areias betuminosas de Athabasca, na Província de Alberta, e é considerado o combustível fóssil mais sujo do planeta. Sua produção envolve não apenas a destruição do ecossistema local, de antigas florestas boreais, mas também gastos enormes de energia para separar o petróleo superpesado da areia – o processo consiste basicamente em dar um banho de vapor nesta última até derreter o petróleo.



A abertura à exportação do petróleo canadense tem potencial de emitir 8,4 bilhões de toneladas de CO2 a mais durante o tempo de vida do projeto (mais de quatro vezes tudo o que o Brasil emite por ano), o que dificultaria o cumprimento da meta do Acordo de Paris de estabilizar o aquecimento global em menos de 2oC.



A Keystone XL foi objeto de diversos protestos de ambientalistas nos EUA. Um deles terminou com dezenas de presos, entre eles o a atriz Daryl Hannah e o climatologista James Hansen, que declarou que sua construção seria “fim de jogo para o clima”. Em 2015, 90 cientistas e economistas e dez vencedores do Prêmio Nobel da Paz mandaram cartas ao presidente Barack Obama pedindo que vetasse a obra – o que ele fez, no fim daquele ano.



Agora, Trump autoriza a empresa TransCanada, responsável pelo projeto, que submeta de novo o oleoduto ao exame do governo. “Vamos renegociar os termos. Se eles gostarem, vamos ver se fazemos esse oleoduto”, disse, ressaltando que quer que os tubos sejam fabricados nos EUA. “São muitos empregos, 28 mil empregos, grandes empregos na construção”, gabou-se Trump. O site Politico reportou em 2013, com base em um relatório do Departamento de Estado, que após a construção o duto manterá apenas 35 empregos permanentes. A aprovação do projeto estará nas mãos de Rex Tillerson, secretário de Estado, que até dezembro presidia a maior empresa de petróleo do mundo.



O segundo ato determina ao Batalhão de Engenharia do Exército que revise e aprove o quanto antes o plano de construção do oleoduto Dakota Access. Essa segunda rede de tubos levará petróleo extraído por “fracking” no folhelho Bakken, formação rochosa rica em óleo na Dakota do Norte, no noroeste do país, até Illinois, no Meio-Oeste, cruzando a terra indígena Standing Rock, dos sioux, e passando por baixo do rio Missouri, única fonte de água da tribo. O projeto foi alvo de empates de índios e ambientalistas, que acamparam na frente da obra para impedir a construção e foram violentamente reprimidos pela polícia. A construção foi suspensa em dezembro.



“Mais pessoas mandaram comentários ao governo contra o Dakota Access e o Keystone XL do que sobre qualquer outro projeto na história”, disse Bill McKibben, fundador da ONG 350.org, segundo o site Think Progress, ligado aos democratas. Ele prometeu mais protestos. “Os cientistas do clima e Prêmios Nobel explicaram seguidas vezes por que os projetos eram burros e imorais. Em um de seus primeiros atos como presidente, Donald Trump ignora tudo isso no afã de servir à indústria do petróleo.”



Mas a imprensa americana reportou nesta terça-feira que há mais alguém a quem Trump parece querer servir com as liberações: ao próprio bolso e ao alguns de seus auxiliares.



De acordo com prestações de contas da campanha presidencial, Trump já investiu pessoalmente entre US$ 500 mil e US$ 1 milhão em ações da ETP (Energy Transfer Partners), companhia responsável pela construção do oleoduto de Dakota, que foram vendidas no final de 2016, e possui entre US$ 250 mil e US$ 500 mil milhão na Phillips 66, que deve ter 25% do projeto completo. Ainda não se sabe se essas ações foram vendidas pelo atual presidente. Já o chefe-executivo da ETP, Kelcy Warren, doou mais de US$100 mil para a campanha de Trump e adicionais US$ 66.800 para o Partido Republicano depois que o Trump se tornou o candidato oficial do grupo.



O secretário de Energia de Trump, Rick Perry, esteve entre os acionistas diretores da ETP até o dia 31 de dezembro de 2016. No ano anterior, o atual secretário e ex-governador do Texas, teria recebido US$ 236.820 de acordo com registros da companhia. O presidente da petroleira Continental Resources, apelidado de “Rei do Fracking” Harold Hamm, é um dos conselheiros de Trump e teria seu produto transportado pela Dakota Access. John Paulson, outro conselheiro, e investidor pesado na indústria de gás e óleo, especialmente na extração no folhelho Bakken.



“O aprendiz do caos climático protagonizou um show de violação dos direitos indígenas, assassinato do licenciamento ambiental e o empurrão do planeta Terra ainda mais para perto das catástrofes ambientais”, disse a diretora para a América Latina da 350.org, Nicole Oliveira, em alusão ao antigo programa de TV de Trump, O Aprendiz. “O começo da temporada demonstra que os próximos episódios serão cada vez mais ‘fósseis’. É um sinal claro de uma mudança na política energética americana que enfatiza e perpetua a dependência dos hidrocarbonetos. Que esse reality show não seja replicado no Brasil e na América Latina.”


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