• 13 de julho de 2017
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Tudo o que você precisa saber sobre o iceberg gigante da Antártida

Bloco de gelo do tamanho do DF se desprendeu de plataforma na Antártida nesta semana; saiba como a mudança climática pode (ou não) estar envolvida no fenômeno e o que acontece agora



Um evento colossal que era esperado havia meses enfim aconteceu: em algum momento entre segunda e quarta-feira, um iceberg de 5.800 quilômetros quadrados, maior que o Distrito Federal, se desprendeu da plataforma de gelo Larsen-C, na Antártida.



O bloco de gelo, batizado A68, pesa 1 trilhão de toneladas e é um dos maiores icebergs já registrados na história. É também o maior a se formar desde 2002. O evento reduz em 10% a plataforma de gelo Larsen-C, a maior da Península Antártica.



A quebra foi confirmada por imagens de satélite, após três anos de monitoramento da rachadura na plataforma de gelo feito por pesquisadores do Projeto Midas, da Universidade de Swansea, no País de Gales.



Entenda o fenômeno, suas ligações com a mudança climática e suas eventuais repercussões nas perguntas e respostas abaixo:



1 – Por que está todo mundo falando nisso?

Porque, sob qualquer perspectiva, a formação do iceberg A68 é um evento espetacular. Ele ocorre numa das regiões do planeta mais influenciadas pelo aquecimento da Terra, e mudará permanentemente a geografia do local. Não é todo dia que uma porção de gelo do tamanho de quatro cidades de São Paulo sai flutuando por aí. O último evento dessa magnitude ocorreu em 2002, quando o iceberg B15 se soltou da plataforma de Ross, no oeste antártico. Ele media 295 km e tinha uma área maior que a da Jamaica: 11 mil quilômetros quadrados.



2 – O novo iceberg vai aumentar o nível do mar em quanto?

Em zero milímetro. Plataformas como a Larsen-C são blocos de gelo que já estão flutuando no mar. Como um cubo de gelo num copo de uísque, seu derretimento não afeta o nível do líquido, porque elas já deslocaram o equivalente em água ao seu volume (lembre-se da banheira de Arquimedes). Portanto, o trilhão de toneladas do A68 não vai impactar o nível global dos oceanos.



O problema é o que aconteceria com o nível do mar se os outros 90% a plataforma Larsen-C se espatifassem inteiros. A plataforma é alimentada por várias geleiras que descem do interior montanhoso da Península Antártica, o “chifre” de 1.300 km de extensão do continente austral. Esse gelo, se fosse parar no oceano, poderia aumentar o nível do mar. As plataformas de gelo funcionam como “freios” ao escoamento dessas geleiras; portanto, sem elas, a tendência seria de aceleração dos glaciares, perda de gelo continental e elevação do oceano. Quando a plataforma Larsen-B quebrou, em 2002, as geleiras que ela freava passaram a acelerar, e hoje contribuem para o nível do mar.



3 – Mas a plataforma Larsen-C pode desaparecer?

Neste momento é difícil dizer qualquer coisa a esse respeito. Há um estudo de 2015 que estima que, com a quebra do iceberg gigante, toda a plataforma Larsen-C ficaria numa configuração instável e sujeita a colapso. Só os próximos anos dirão se isso ocorrerá de fato. Mas o precedente histórico depõe contra a estabilidade da Larsen-C: de 12 plataformas de gelo da Península Antártica, sete já colapsaram nas últimas décadas.



As quebras sucessivas parecem ser a realização sombria de uma antiga profecia sobre a mudança climática: a de que, num mundo em aquecimento perigoso, as primeiras vítimas seriam as plataformas de gelo da Antártida, e elas se esfacelariam de norte para sul, a partir da ponta da Península.



Essa previsão foi feita pelo glaciologista americano John Mercer em 1978. E encontrou sua confirmação justamente nas plataformas de gelo Larsen. Em 1978 elas eram quatro. Hoje restam apenas duas.



A Larsen A, a menor das três (veja o mapa do Climate Signals), se rompeu em 1995. Na época pouca gente deu bola, já que não havia monitoramento frequente por satélites e a influência da humanidade no aquecimento da Terra apenas começava a mostrar sinais evidentes.



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Em 2002 foi a vez da Larsen B, e a história foi outra: a desintegração da plataforma, que pareceu explodir em milhares de icebergs, foi acompanhada em tempo real pelos cientistas. O evento durou pouco mais de um mês, levando embora uma área de 3.275 quilômetros quadrados de gelo que hoje é mar aberto. O verão de 2002 foi um dos mais quentes da história na Península Antártica, que por sua vez é uma das regiões do planeta que mais aqueceram: cerca de 3oC desde 1950. Aquele foi um dos alertas mais poderosos já dados sobre a realidade – e o perigo – da mudança do clima.



4 – E o que acontece com o planeta em caso de colapso?

Uma eventual perda da Larsen-C não seria exatamente o fim do mundo: toda a Península Antártica contém o equivalente a meio metro de elevação do oceano. O problema é que, no atual cenário de aquecimento da Terra, cada centímetro de aumento evitado conta: o nível do mar já subiu 20 cm no último século e pode chegar a 2100 1 metro mais alto do que na era pré-industrial, o que seria uma catástrofe para cidades litorâneas como o Rio, Santos e Recife.



5 – A quebra foi natural ou é efeito do aquecimento global?

Não há uma resposta direta para essa pergunta. Os pesquisadores que monitoram a rachadura na plataforma Larsen-C desde 2014 dizem que não é possível ligar diretamente a quebra do iceberg ao aquecimento da Terra.



Esses eventos, afinal, são naturais e característicos do comportamento de plataformas de gelo da Antártida.



Essas imensas línguas de gelo flutuante são formadas pela união da foz de várias geleiras. Como rios, as geleiras escorrem para o mar (lentamente) devido ao acúmulo de neve. De tempos em tempos, a frente de uma plataforma se desprende, formando os icebergs planos característicos do continente austral, e cresce de novo devido ao escoamento das geleiras. “Icebergs precisam se desprender e novo gelo se forma para substituí-los. Pelo menos é assim que deveria funcionar”, diz Ian Joughin, glaciologista da Universidade de Washington, nos EUA. Num clima estável, a tendência é que as plataformas de gelo permaneçam mais ou menos do mesmo tamanho.



A rachadura na Larsen-C, que existe pelo menos desde a década de 1980, é parte desse ciclo natural. Nos últimos três anos, no entanto, ela passou a crescer de forma acelerada, o que resultou no colapso testemunhado nesta semana. Não há, no entanto, evidência de que o crescimento se deva a aquecimento da atmosfera no local ou do oceano. O caso é muito diferente do da Larsen-B, que es espatifou devido a milhares de poças formadas pelo derretimento do gelo em sua superfície, algo que foi ligado diretamente às altas temperaturas.



Ocorre que a Península Antártica é uma região altamente impactada pelo aquecimento global. E todas as suas plataformas de gelo vêm ficando cada vez mais finas: a Larsen-C, por exemplo, perdeu 5% de seu volume entre 1994 e 2012. Só que nos últimos anos essa tendência de afinamento parece ter se reduzido.



“Nos últimos anos do registro a taxa de afinamento da Larsen-C diminuiu, isto é, sua espessura passou a crescer lentamente”, disse o glaciologista brasileiro Fernando Paolo, da Universidade da Califórnia em San Diego, que monitora as plataformas de gelo de toda a Antártida. “Hoje temos mais dados. Nosso registro vai de 1994 a 2017, mostrando que essa lenta recuperação da espessura continuou em anos recentes.”



Só que também foram detectados na plataforma outros sintomas de colapso, como formação de poças d’água e aceleração do fluxo de gelo.



Em resumo, o quadro é complexo e é cedo para apontar o dedo para a mudança climática aqui. Mas tampouco dá para descartá-la como fator a influenciar a quebra.



6 – Mas a Antártida não está ganhando gelo?



Não, não está. Esse argumento ganhou tração em 2015 devido a um estudo publicado pelo glaciologista Jay Zwally, da Nasa, segundo o qual o continente antártico na verdade estaria contribuindo para reduzir o nível do mar. O estudo foi avidamente reportado pela imprensa como um questionamento ao IPCC, o painel do clima da ONU, que diz que a Antártida tem contribuído nos últimos anos para elevar o nível do mar e o fará ainda mais intensamente nas próximas décadas.



Vamos por partes: é preciso saber de que tipo de gelo e de que Antártida se está falando. A Antártida até recentemente estava ganhando gelo, sim, de pelo menos uma maneira: o cinturão de mar congelado que se forma todo ano ao redor do continente passou anos crescendo cerca de 100 mil quilômetros quadrados por ano. De 2016 para cá ele começou a bater recordes de baixa. Na Península Antártica, região mais afastada do polo Sul, o gelo marinho vem diminuindo paulatinamente.



O que Zwally e colegas argumentaram em seu estudo é que existe um outro ganho de gelo: o manto de gelo que recobre o continente estaria “engordando” de 1 cm a 3 cm por ano, devido a uma resposta lenta a mudanças ocorridas no fim da última glaciação, 12 mil anos atrás. Essa engorda estaria acontecendo sobretudo no leste antártico, que concentra mais de 85% do gelo do sexto continente. Tal ganho seria capaz de compensar as perdas que o próprio Zwally e vários outros colegas já comprovaram, usando vários instrumentos diferentes, estar acontecendo em duas outras regiões: a Península Antártica e o oeste antártico.



Que não haja dúvida aqui: existe perda de gelo no continente antártico, muito bem documentada por satélites da Nasa e da Agência Espacial Europeia. Foi a Nasa quem mostrou o rompimento em tempo real de plataformas de gelo na Península Antártica. E foi a Nasa quem revelou, em 1998, que as geleiras do oeste antártico estavam em franco derretimento. No período de 2002 a 2011, a perda de gelo foi de 147 bilhões de toneladas por ano, segundo o IPCC, o que teria elevado o nível do mar em 0,27 milímetro por ano. Quase todo esse gelo vem do oeste antártico. Um estudo recente sugere que o colapso das geleiras do oeste antártico é irreversível e fará o mar subir 3,3 metros na escala de séculos.



O leste é um mistério que os cientistas ainda não conseguiram decifrar. Nenhuma das medições com satélite feitas até aqui conseguiram responder se há ganho ou perda de gelo naquela região. Os cientistas costumam dizer que ela está em equilíbrio.



O estudo de Zwally muda algumas premissas sobre os dados e argumenta não apenas que há ganho, mas que esse ganho mais do que compensa as perdas. Mas, como as medições naquela região são muito difíceis de fazer, alguns glaciologistas acham que ele está errado – embora “haja uma chance pequena de que esteja certo”, como disse Ian Joughin, da Universidade de Washington. A figura abaixo, produzida por um pesquisador da Instituição Oceanográfica de Woods Hole, nos EUA, mostra onde está o consenso em relação à dieta da Antártida: as perdas ou ganhos de gelo são representadas pelos retângulos. De 13 estudos, o de Zwally (retângulos marrons no alto da imagem) é o único a apontar ganho líquido. A maioria aponta perdas, aceleradas a partir de 2005 (aqui Zwally tem outro problema, já que a série de dados usada por ele só vai até 2008).



 



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