Uma corrida social na área do clima
Pode parecer descabida a insistência do autor destas linhas, nos artigos das sextas-feiras, no tema de mudanças climáticas e problemas com elas relacionadas nas áreas de suprimento de água, tratamento de esgotos, recuperação de recursos hídricos, políticas de governos nesses setores ou suas deficiências e até ausência em tantos níveis.
Ainda no começo desta semana, a Sabesp admitiu (Folha de S.Paulo, 3/8) que, por decisão da Agência Nacional de Águas e do Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee), terá de reduzir em 31% a retirada de água do Sistema Cantareira enviada para a Grande São Paulo entre agosto e novembro – em novembro, a captação deverá chegar a apenas 10 mil litros por segundo, a mais baixa nas últimas décadas.
O Tribunal de Haia determinou (Corporate Knights, 31/7) que os governos ajam com maior presteza em sua obrigação de proteger os cidadãos dos efeitos das mudanças climáticas, que não dependem de um único país. Devem, para isso, baixar em pelo menos 25% (sobre as de 1990) as emissões de poluentes que intensificam essas mudanças. Essa possibilidade de compromissos que se estendam a todos os países tem sido muito discutida em fóruns internacionais (Principles on Global Climate Change, 1/3).
Há fortes razões para isso em toda parte. No Brasil mesmo, o respeitado cientista Paulo Nobre tem lembrado (67.ª reunião da SBPC) que o déficit de chuvas no Sudeste em 2014, segundo pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), gerou a maior seca em 70 anos. O aquecimento da atmosfera desde 1945 é uma das causas, inclusive no Norte e no Nordeste. Outro cientista, Antônio Donato Nobre, pesquisador do Inpe e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, diz que esse bioma tem sido responsável pela manutenção de clima ameno no “coração da América do Sul”, mesmo onde a vegetação foi suprimida, como na mata atlântica do Sudeste. Mas poderão acontecer “estiagens abruptas”, como em 2014. Um dos motivos centrais é o desmatamento da Amazônia do Brasil (762.279 km2 em 40 anos e, se somadas as áreas degradadas, serão 2.062.279 km2). Por isso, diz ele, é fundamental criar e aplicar uma “estratégia contra a ignorância”; cessar imediatamente o desmatamento; abolir o uso do fogo; recuperar florestas; e conscientizar governantes.
Num panorama tão inquietante, é quase inacreditável conferir os números da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes, setembro de 2013) segundo os quais as perdas de água tratada em nossas redes de abastecimento estão por volta de 40%, com algumas cidades (no Amapá) chegando a 75%, ante 21% na capital paulista (a que mais as reduziu). E vamos no País com pouca água, perdendo água. Na coleta e tratamento de esgotos o problema é ainda mais grave, com dezenas de milhões de domicílios sem ligação com a rede coletora. E com o tratamento do que é coletado processando uma fração ainda muito menor.
Os problemas são fortes também nas áreas rurais, com a agricultura usando 75% da água (professor Ladislau Dowbor, 18/5), ante 15% na indústria e 10% no abastecimento domiciliar – mas cada pessoa precisando de 2 mil litros de água por dia para produzir e processar seu alimento. Estudo da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO-ONU) afirma que 14,5% das emissões que agravam o problema do clima provêm da pecuária. Mas a produção de alimentos também participa. A expansão do desmatamento em áreas para expandir pastagens ou culturas é um agravante considerável.
Pesquisas da revista Nature Climate Change disseram que 90% das pessoas na Europa, no Japão e na América do Norte estão conscientes do problema, enquanto 40% dos adultos nos “países pobres” em 119 países “nunca ouviram falar de mudanças climáticas”.
Teremos de avançar muito por aqui. Guarulhos, na Grande São Paulo, por exemplo, despeja quase toda a sua carga de esgotos sem tratamento no Rio Tietê. Um projeto conjunto estadual e municipal (Córrego Limpo) para baixar a poluição no Tietê e no Pinheiros prevê tratar 40 córregos afluentes por ano e a despoluição total de 300 em dez anos. Mas está paralisado (Folha de S.Paulo, 3/8). E no Rio de Janeiro, com queda nos royalties do petróleo, reduziram-se em 64% as verbas para o setor.
De qualquer forma, é preciso correr, principalmente na ação de governos em todos os níveis. Mas também dos cidadãos. É decisivo começar no plano nacional, pela dramática questão do desmatamento e degradação da Amazônia, assim como nos planos nacionais para água e saneamento. Depois, pelos planos macrodiretores que englobem todos os municípios de uma região e permitam, por exemplo, recuperar as condições dos cursos de água em toda a sua extensão, desassoreá-los. Nas grandes cidades, não se tem cuidado do problema da formação de ilhas de calor em áreas densamente povoadas e verticalizadas. Elas atraem mais chuvas e agravam a situação das áreas totalmente impermeabilizadas – onde a água não consegue se infiltrar e provoca inundações, já que as redes de drenagem, insuficientes, ainda vivem entupidas por sedimentos e precisam ser cuidadas e ampliadas. Os sistemas de licenciamento têm de estar atentos a esses problemas e cobrar soluções específicas.
Na área industrial, não se pode deixar de exigir tratamento localizado dos efluentes, assim como propostas para reduzir as emissões de poluentes na atmosfera. E, nos licenciamentos para construções em áreas residenciais, exigir em cada imóvel sistemas de captação de água de chuvas nos tetos; armazená-la em reservatórios para uso posterior ou descarga; e manter em cada imóvel uma porcentagem do terreno não impermeabilizada. O sistema educacional precisa transmitir aos alunos em todos os níveis as informações essenciais. E estes precisam debater com seus pais.
Nada disso é devaneio radical. Basta ver o que acaba de decretar nos EUA o presidente Obama para reduzir as emissões nacionais de poluentes. (O Estado de S. Paulo)