Nota da coordenação do Observatório do Clima
Com a vitória de Joe Biden e Kamala Harris, os EUA enfim começam a sair do pesadelo em que mergulharam em 2016. A mais antiga democracia do mundo mostrou que resistiu à investida neofascista, embora tenha pago por isso com mais de 230 mil mortos durante a pandemia. A eleição pode mandar um sinal para regimes de extrema-direita no mundo todo, da Polônia ao Brasil.
Consagrados nas urnas na semana em que os Estados Unidos deixaram o Acordo de Paris, Biden e Harris reacendem a esperança de que o maior poluidor histórico assuma a liderança do combate à crise do clima. Sua vitória adia o fim do mundo, para emprestar a expressão do escritor mineiro Ailton Krenak. Mas o clima não está salvo; o caminho para a estabilização do aquecimento global abaixo de 2ºC está cada vez mais estreito, e o 1,5ºC preconizado pela ciência pode já estar quase fora de alcance. A redução de emissões necessária para isso, de 7,6% por ano até 2030, só será obtida com engajamento total de todos os países do G20. Os planos ambiciosos de Biden para o clima podem ser decisivos para impulsionar esse engajamento. Mas o presidente precisará ir muito além da retórica e encarar as próprias contradições de um país que é hoje o maior produtor de petróleo do mundo e ainda tem um lobby fóssil muito forte.
Para o Brasil, a vitória da chapa democrata deve ter efeitos profundos. O obscurantismo e o negacionismo enlatados que Jair Bolsonaro e seus filhos importam da Virgínia perdem seu maior lastro. O presidente brasileiro fica ainda mais isolado no cenário internacional, e tende a sofrer pressões de um país que antes lhe tolerava as políticas antiambientais. As críticas de Biden ao desmatamento da Amazônia em um dos debates eleitorais americanos dão o tom do que se pode esperar.
Em um cenário mais amplo, entendimentos entre EUA, China e União Europeia sobre o combate à crise do clima podem resultar em complicações comerciais às commodities brasileiras. Bolsonaro poderá descobrir que deixar a floresta queimar é péssimo não só para o futuro da humanidade, mas para a economia do país, para o emprego dos brasileiros e até mesmo para seu projeto pessoal de poder.