• 27 de junho de 2017
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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É o degelo estúpido!

Nova estimativa mostra que derretimento de geleiras de montanha e de mantos de gelo polares domina elevação do nível do mar na última década; perda da Groenlândia é o principal fator de aceleração



A remota Groenlândia dificilmente figura na lista de preocupações dos cidadãos brasileiros. Mas moradores de cidades como Recife, Rio de Janeiro e Santos deveriam ter interesse especial pelo destino da maior ilha do mundo e do manto de gelo que a recobre. Nos últimos 25 anos, o derretimento das geleiras groenlandesas tornou-se um dos principais fatores de aceleração do aumento do nível do mar – que traz ressacas, alagamentos e prejuízo a essas cidades. Um quarto da elevação anual dos oceanos pode ser atribuída à perda de gelo naquela região do Ártico.



A conclusão é de uma nova análise sobre a elevação do nível do mar entre 1993 e 2014, publicada nesta segunda-feira por um grupo de cientistas da China, da Austrália e dos EUA.



Os pesquisadores, liderados por Xianyao Chen, da Universidade Oceânica da China, fizeram uma reanálise estatística dos principais fatores que contribuem para a subida global do oceano. Eles concluíram que o derretimento de gelo sobre os continentes, que em 1993 respondia por cerca de 40% da variação no nível do mar, passou a ser o fator dominante de mudança, com 60% da contribuição em 2014.



Grande parte dessa fatia (25%) vem da perda de glaciares de montanhas, como os dos Alpes e dos Andes. Mas a maior surpresa veio da contribuição das grandes massas de gelo da Terra: a Groenlândia passou de 5% a 25% do total de água em excesso aportada aos oceanos nesse período. E a Antártida, cuja contribuição para o nível do mar é positiva, mas rodeada de incertezas, se mantém mais ou menos constante, com 10% da culpa.



O grupo de Chen é integrado pelo australiano John Church, da Universidade de Nova Gales do Sul, um dos maiores especialistas do mundo em medição do nível do mar e coordenador do capítulo que trata desse assunto no último relatório do IPCC, o painel do clima da ONU, publicado em 2013. Curiosamente, o novo estudo ajuda a esclarecer lacunas deixadas pelo IPCC na ocasião.



Estimar o nível do mar e projetar sua variação no futuro é um dos trabalhos mais difíceis da ciência do clima. Em 2001, por exemplo, o IPCC estimou um máximo de 88 cm de elevação em 2100 no pior cenário de emissões de carbono. Em 2007, esse valor havia caído para 59 cm, para subir de novo para 98 cm em 2013.



Tanta variação se deve à dificuldade de fechar um balanço acurado das contribuições anuais de cada fator e de projetar como esses fatores, em especial os mantos de gelo, se comportarão no futuro. Frequentemente os modelos são mais conservadores que as observações.



Em 2005, por exemplo, cientistas descobriram que um erro sistemático em equipamentos usados para medir a temperatura do oceano vinham fazendo com que os modelos subestimassem o aquecimento do mar. O mar mais quente se expande e sobe de nível, como a água numa chaleira – a chamada expansão térmica é um dos fatores principais de elevação do nível do oceano. Como resultado, as projeções de elevação não casavam com as observações.



Os altímetros a laser a bordo de satélites, que vêm observando o oceano desde 1992 e medem sua subida com precisão milimétrica, também padeciam de um erro sistemático: nas últimas duas décadas eles pareciam não detectar a aceleração observada em décadas anteriores. Ao contrário, um estudo publicado em 2014 mostrava uma desaceleração, de 3,2 milímetros por ano em 1993 para 2,8 milímetros por ano em 2014.



A charada foi resolvida em 2015: as medições de satélite, em especial até o final dos anos 1990, não levavam em conta os ajustes que precisavam ser feitos devido ao discreto e progressivo afundamento de alguns continentes. Quando esse ajuste foi feito, os dados de satélite começaram a casar com as observações.



De posse dessa informação, Chen e colegas conseguiram estimar que a subida do nível do mar acelerou nos últimos 25 anos – de 2,2 mm/ano em 1993 para 3,3 mm/ano em 2014. E tome mais uma correção ao IPCC.



Em 2013, o painel do clima estimou que a principal fonte da subida do oceano era a expansão térmica e que a contribuição do gelo polar era uma preocupação mais para o futuro. O novo estudo mostra que, na verdade, a expansão térmica ela responde por apenas 30% da elevação total. Isso tende a crescer nas próximas décadas, mas, por enquanto, quem dá as cartas no jogo é o gelo. E o gelo vai mal.



A Groenlândia está emagrecendo a olhos vistos: suas geleiras lançavam 34 bilhões de toneladas de água no mar entre 1992 e 2001, e passaram a 215 bilhões entre 2002 e 2011. Para a Antártida há muitas incertezas, mas a porção oeste do seu manto de gelo – que guarda 10% da água doce do planeta e pode elevar os oceanos em mais de 3 metros se derreter – tem perdido gelo também de forma acelerada e, segundo alguns estudos, irreversível.



“A aceleração sugerida (…) ilumina a importância e urgência de mitigar as mudanças climáticas e de formular planos de adaptação costeira para amenizar os impactos da elevação do nível do mar”, escreveram os autores.


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