• 16 de abril de 2013
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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“Há dinheiro, há tecnologia, mas infelizmente falta vontade política e amor pelo planeta”

Não peçam calma ou palavras conciliatórias para o biólogo Mário Moscatelli quando o assunto for invasões e crimes ambientais contra manguezais. Nos últimos 25 anos ele se especializou em uma verdadeira tática de “guerrilheiro” em defesa da natureza. De barco, a pé ou do alto, de helicóptero, Moscatelli denuncia o que vê de errado e tem incomodado autoridades e grupos econômicos. Não se intimida. Com o apoio da imprensa, o biólogo – responsável técnico pela Manglares Consultoria Ambiental – coloca mesmo o dedo na ferida. Mas não o chamem de ecologista. “Sou um profissional tecnicamente habilitado atuante e um cidadão que não gosta de ser feito de otário o tempo todo pelo poder público que de público não tem absolutamente nada.” Para quem o considera ácido e crítico demais, ele asseguro que é um apaixonado pelo Rio e seus biomas, mas se desespera com o que vê todos os dias. “Não estou de mau humor. Apenas replico o que vejo onde eu trabalho tentando recuperar o que ainda é recuperável ambientalmente. Há dinheiro, há tecnologia, mas infelizmente falta vontade política e amor pelo planeta”, resume Moscatelli. A seguir, os melhores momentos da entrevista com este “guerrilheiro” da natureza, que critica os poderes públicos, grupos que fazem empreendimentos imobiliários e a sociedade pelo estado crítico das águas no Rio de Janeiro.

Plurale em Revista – A sua formação foi em Biologia. Formou-se por onde? Trabalha há quanto tempo com a preservação de mangues?

Mário Moscatelli - Me formei em Ciências Biológicas na Universidade Santa Úrsula (Rio) em 1987. Depois fiz Mestrado em Ecologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1994. Trabalhei em vários órgãos ambientais e, desde 1997, sou professor de Gerenciamento de Ecossistemas do Centro Universitário da cidade e responsável técnico pela empresa de recuperação ambiental Manglares Consultoria Ambiental.

Plurale – Como começou este trabalho de ecologista em defesa de mangues do Rio?

Moscatelli - Não me considero um ecologista. Sou apenas um profissional tecnicamente habilitado atuante e um cidadão que não gosta de ser feito de otário o tempo todo pelo poder público que de público não tem absolutamente nada. Meu trabalho começou em defesa dos mangues em 1987 quando mesmo protegidos integralmente por inúmeras leis, os mangues eram transformados em loteamentos e marinas de luxo devidamente autorizados pelos órgãos ambientais da época. Essa pouca vergonha permitiu a supressão, por exemplo, de centenas de hectares de manguezais na Baía de Ilha Grande.

Plurale – Você coordena uma ONG? Faz alguns projetos patrocinados também?

Moscatelli - Não tenho ONG, visto que acredito que muitas são empresas disfarçadas de ONGs ou braços/tentáculos de políticos. O que tenho é uma empresa de consultoria que paga impostos, emite notas e compete no mercado de serviços ambientais. Sou contratado por empresas de construção civil, empreendimentos hoteleiros, empreiteiras que executam projetos de recuperação e gerenciamento ambiental.

Plurale – Após tantos anos de trabalho acompanhando lagoas, mangues e a biodiversidade nestas regiões, que avaliação você faz da qualidade da água no Rio de Janeiro? Piorou muito?

Moscatelli – Que água? Só trabalho no meio de despejo de esgoto, de dejetos e de lixo, seja na Baía de Guanabara ou no sistema lagunar da Baixada de Jacarepaguá. Infelizmente, no Rio de Janeiro existe a indústria da degradação que consiste em fazer obras faraônicas que não geram o objetivo ambiental esperado. Ninguém cobra nada dos administradores públicos e fica o dito pelo não dito. Passam-se anos, aí outro governo arruma outras centenas de milhões de dólares para terminar o que o outro projeto que já custou uma fábula não resolveu e assim todos ficam felizes, os políticos e os que excutam as obras e o ciclo continua assim indefinidamente. Passam-se mais alguns anos e mais dinheiro é tomado emprestado por outro governo e assim para todo o sempre.

Plurale- Você sobrevoa e navega há anos alguns canais relevantes. Encontra sofás, geladeiras e muito lixo. Quais são as principais causas deste cenário?

Moscatelli - Poder Público inoperante, sempre secando gelo e quase nunca agindo nas causas da degradação que são a ausência de políticas públicas nas áreas de habitação, saneamento e transporte, e consequentemente quem paga pelo crescimento populacional é o ambiente. A sociedade que parece achar graça de tudo. Vota mal, elegendo, em sua maioria, pessoas interessadas exclusivamente com seus objetivos pessoais, sem olhar para os verdadeiros problemas que atingem a cidade há décadas.

Plurale- Que espécies já estão ameaçadas por conta desta poluição dramática em mangues e lagoas?

Moscatelli - Ao carioca falta conhecer mais sua cidade do ponto de vista ambiental. A maioria conhece onde ficam os principais shoppings centers, mas poucos sabem onde é que fica a Lagoa do Camorim (em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio), ou o Rio Guaxindiba (dentro da APA de Guapimirim, região mais preservada da Baía de Guanabara). Há menos de 100 anos encontravam-se onças, tamanduás, jacarés às centenas na Baixada de Jacarepaguá (Zona Oeste). E hoje? Os que sobreviveram ao crescimento urbano descontrolado e sem infraestrutura (jacarés e capivaras) quando conseguem sobreviver em algum canto imundo por lixo e esgoto, são caçados e mortos a tiros por esporte. Infelizmente onde o homem colocou a mão na maior parte da cidade do Rio de Janeiro, ele literalmente suprimiu/extinguiu a biodiversidade seja pela supressão dos ecossistemas nativos de baixadas (mangues, lagunas, restingas, matas, brejos), pela caça, ou pela contaminação por lixo e principalmente esgoto sem tratamento que é cobrado religiosamente pela empresa estatal todo mês de todos que recebem água em casa, mas que em grande percentual não tem tratamento de seu esgoto.

Plurale – Além de empresas que poluem, esgotos clandestinos até mesmo de grandes condomínios, você não avalia que o morador do Rio tem também responsabilidade por este estado crítico de algumas áreas?

Moscatelli - Claro! Visite as praias de Copacabana, Ipanema, Leblon ou Barra no final da tarde de domingo. Parece que houve um ataque do “homo porcus”. Encontra-se de tudo nas areias. O fedor que emana da areia parece não incomodar mais ninguém. Aliás, as águas também podem estar contaminadas que quase ninguém mais parece se incomodar. É o paraíso da degradação. Basta lembrar também do que acontece no Carnaval ou no Ano Novo. Uma verdadeira horda de porcos que deixam pelas ruas e praias, além da urina, centenas de toneladas de todo tipo de resíduos. Sinceramente, é duro ver o paraíso afundando no inferno.

Plurale – Educação ambiental poderia ajudar? As crianças serão os consumidores de amanhã. Mas seus pais já estão poluindo hoje. Qual a sua avaliação?

Moscatelli - Educação ambiental só não resolve o grave problema. Defendo a educação de boa qualidade que produza cidadãos e cidadãs ativos. E que também possa cobrar o papel das autoridades. Sem educação de qualidade e massa crítica na maior parte da sociedade, esqueça, vamos continuar perpetuando essa verdadeira casa da mãe Joana na saúde, no meio ambiente, nas obras superfaturadas e por aí vai.

Plurale- Você é otimista, cético ou pessimista? Ainda é possível acreditar que há solução para o drama das águas no Rio?

Moscatelli - Solução tem. Mas, os gestores públicos e o lado sombrio da força que patrocina e elege a grande maioria deles não tem interesse em buscar soluções, pois com elas não se ganha dinheiro e o negócio por aqui é faturar mais, desde os tempos do Descobrimento.

Plurale – Fala-se há anos no programa de Despoluição da Baía de Guanabara. Pouco ainda se avançou. O mesmo sobre as lagoas da Barra e a Lagoa Rodrigo de Freitas. Por que não avançam?

Moscatelli – É como digo, a indústria da degradação – quanto pior, melhor, principalmente se o pior for patrocinado por projetos de centenas de milhões de dólares sem uma eficiente fiscalização sobre os gestores públicos que gerenciam o dinheiro. Aí os anos passam, o dinheiro desaparece em obras que não resultam em quase nenhuma melhoria ambiental, e finalmente a má gestão é classificada como equívocos técnicos. No sistema lagunar em função das Olimpíadas, em abril de 2013, quem sabe, será iniciada a dragagem do sistema lagunar pelo Governo do Estado, onde serão investidos R$ 550 milhões. Associe-se a isso a instalação de mais quatro unidades de tratamento de rios nos principais valões de esgoto daquela bacia. Bom, nesse caso essa será parte da guerra, pois se conseguirmos que o poder público faça, de fato, seu dever de casa direito até 2016, teremos uma luta maior ainda que será a de obrigá-lo a manter todo o sistema de manutenção operando.

Plurale – O Rio depende destes projetos para as Olimpíadas 2016. Vai dar tempo de concluir?

Moscatelli - O tempo para concluir essas obras até 2016 já está mais do apertado, mas fazer o que? Brasileiro, e principalmente os governos, adoram empurrar com a barriga enquanto podem o que precisa ser feito, visto que muitas vezes, intencionalmente, isso gera contratos emergenciais e todas aquelas artimanhas mais do que manjadas que fazem obras pularem duas, três ou até 10 vezes o inicialmente estimado. Infelizmente, isso é o Brasil! Ame-o ou deixe-o.

Plurale- O Rio é cercado de águas por todos os lados. Poderia aproveitar melhor o transporte por barcas? Em que áreas?

Moscatelli - O Rio é cercado por esgoto e dejetos por todos os lados! Visto que por onde você procure, todos os corpos d’água estão contaminados por esgoto! Estou exagerando? Então acompanhe os relatórios de balneabilidade apenas das praias oceânicas. O sistema lagunar de Jacarepaguá poderia se tornar uma hidrovia para ecoturismo e circulação pela Barra-Jacarepaguá e Recreio. Mas, infelizmente isso é impossível com o atual quadro de assoreamento e a poluição de suas águas. Não estou de mau humor. Apenas replico o que vejo onde eu trabalho tentando recuperar o que ainda é recuperável ambientalmente. Há dinheiro, há tecnologia, mas infelizmente falta vontade política e amor pelo planeta.

* Publicado originalmente no site Plurale em Revista.

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