• 19 de junho de 2012
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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“Vale tem mais poder do que governo em Moçambique”

Quando o presidente da Vale esteve em Moçambique há dois anos, foram suspensos todos os vôos para a província do Tete, onde a empresa brasileira extrai carvão mineral. A rota se tornou temporariamente exclusiva dos visitantes.

Com esse fato Fabien Manissa, agrônomo que presta assistência jurídica ao movimento moçambicano dos atingidos pela Vale, ilustra o poder dessa ex-estatal brasileira no seu país. É mais poderosa do que o próprio governo, garante.

A Vale conta com isenção fiscal por “dez a quinze anos”, tirou de uma empresa indiana a concessão da ferrovia de 600 quilômetros até o porto da Beira, para exportar carvão, e planeja construir nova linha de Moatize ao porto de Nacala, cruzando o sul do Malawi.

Nacala é um porto de águas profundas, barateará o transporte e favorecerá a exploração de fosfato, outro projeto da Vale. Tudo com fortes impactos sobre a população da região, denunciou Manissa, ao falar na Assembléia de Convergência Energia e Industrias Extrativas, na Cúpula dos Povos neste domingo.
Os privilégios que conseguiu em Moçambique, que lhe permitem explorar um negocio bilionário “a custo quase zero”, se devem basicamente à “corrupção” que domina governo desde meados dos anos 80, disse a TerraViva.

Falta de terra e condições de manter a produção agrícola são o principal dano provocado aos desalojados pela mina Moatize e o transporte do carvão, segundo ele. São 1.500 famílias reassentadas numa área e 700 a 800 em outra, todas “distantes uns 50 quilômetros da vila”, o que dificulta mais ainda suas vidas. Por isso, meios adequados de transporte constituem outra reivindicação do movimento dos atingidos.

Os reassentados também precisam de abastecimento de água potável. Antes viviam à beira do rio, agora em terras áridas, sem possibilidades de cultivar o milho, a principal produção anterior.

A Vale não “respeita regras mínimas, básicas”, dos direitos da população afetada, avaliou Manissa, que veio à Cúpula dos Povos buscando “reflexão e troca de informações”. Falta informações em Moçambique para uma consciência dos problemas da extração mineira, muitas vezes a população local sequer sabe das greves ocorridas nas minas, exemplificou.

Dos cerca de 10.000 empregos oferecidos pela Vale em Moçambique, apenas mil são ocupados por habitantes do Tete. Entre 2.000 e 3.000 provêm do exterior, a maioria brasileiros, filipinos e sul-africanos. Também se emprega a mão de obra barata do vizinho Zimbabwe, que vive uma grave crise, enfatizou Manissa, que está acompanhado de um colega do movimento dos atingidos pela Vale.

Um terceiro ativista foi barrado no aeroporto de São Paulo e devolvido a Moçambique, sem explicações, lamentou.

Moçambique já não é a mesma dos primeiros anos sob o governo de Samora Machel, há agora muita corrupção, corroborou Steven Rall, filho de uma argentina que se exilou naquele país africano, onde estudou medicina e se casou com um engenheiro de águas sul-africano.

Steven, de 23 anos e estudante de licenciamento ambiental numa universidade de Buenos Aires, deixou Moçambique, onde nasceu, aos quatro anos de idade. Em 1994 a família mudou-se para a África do Sul que se libertava do apartheid.

Em 2007 decidiu instalar-se na Argentina, mas o pai visita frequentemente a Africa e Moçambique, trabalhando em questões hídricas para o desenvolvimento de comunidades rurais, informou Steve, que está na Cúpula dos Povos como membro de um movimento argentino da Via Campesina.

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