• 04 de agosto de 2016
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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“É imprescindível posicionar usinas eólicas onde seu impacto seja mínimo”, defendem especialistas

A energia produzida a partir da força dos ventos é limpa e renovável; mas, para também ser sustentável, os aerogeradores não podem se sobrepor a áreas de alta relevância ecológica, especialmente unidades de conservação e rotas de aves migratórias.

A energia produzida a partir da força dos ventos ganha força no Brasil e no mundo, sendo uma importante alternativa para reduzir o uso das fontes energéticas tradicionais baseadas na queima dos combustíveis fósseis – que emitem gases de efeito estufa na atmosfera e contribuem para a intensificação da mudança global do clima. No entanto, o fato de ser uma fonte de energia limpa e renovável não significa que o impacto ambiental da eólica seja nulo.

Na opinião do secretário executivo do Observatório do Clima e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), Carlos Rittl, energia limpa não é necessariamente sinônimo de energia sustentável. “Qualquer empreendimento que gere impactos deve ser avaliado de forma adequada e eficiente. Só pode ser considerado sustentável se houver mitigação de impactos associada à compensação do que não se pode evitar”, analisa.

Para Nêmora Prestes – pesquisadora da Universidade de Passo Fundo (UPF), do Projeto Charão e membro da RECN –, a energia eólica representa um avanço em temos de sustentabilidade, mas, para que seja ambientalmente correta, deve ser bem planejada. “É evidente que necessitamos de opções energéticas com fontes renováveis, mas é imprescindível posicionar as usinas eólicas em locais onde seu impacto seja mínimo”, defende. Ela complementa: “Do contrário, haverá danos injustificáveis; e o prejuízo é ainda maior quando os parques eólicos estão perto de locais de pouso ou repouso de aves migratórias que voam em grupos compactos”.

O alerta de Carlos e Nêmora corrobora questionamentos sobre propostas de implantação de parques eólicos em áreas que se sobrepõem a regiões brasileiras de alta relevância ecológica. Por exemplo, na região conhecida como Boqueirão da Onça, no sertão nordestino, a diversidade ambiental é tão grande quanto a potência dos ventos que sopram na área, fazendo com que ambientalistas e empresas de energias alternativas dividam opiniões. Em Santa Catarina, o mesmo aconteceu nas cidades de Urupema e Urubici, onde há grande incidência do papagaio-charão (Amazona pretrei) e do papagaio-do-peito-roxo (Amazona vinacea), espécies ameaçadas de extinção e cujas rotas migratórias coincidem com locais propostos inicialmente para a instalação de parques eólicos.

No Paraná, parque eólico se sobrepõe à área legalmente protegida

O caso do Paraná é ainda mais emblemático. O Estado já abriga o primeiro parque eólico da região Sul, que está localizado em Palmas e é composto por cinco geradores de 25 metros cada um. Agora, um consórcio privado planeja aumentar o potencial energético paranaense com a instalação de três novos parques eólicos na região de Palmas, na divisa com Santa Catarina. O problema é que o local planejado para uma dessas construções – o parque eólico Água Santa – é numa Unidade de Conservação (UC) Federal.

A UC em questão é o Refúgio de Vida Silvestre dos Campos de Palmas, localizado nos municípios de Palmas e General Carneiro. Criado em 2006 para a proteção integral da fauna e da flora local, abriga mais de 200 espécies de aves, o que é considerado uma alta diversidade. Há espécies raras na região, como o gavião-real. Também há aves endêmicas, ou seja, que possuem hábitat restrito aos campos naturais (como o caminheiro-grande) ou ao ambiente florestal (como o papagaio-do-peito-roxo).

O papagaio-do-peito-roxo, por exemplo, apresenta status de conservação “em perigo”. Segundo Nêmora, o último censo mundial da espécie, realizado entre abril e maio deste ano, registrou 3.645 indivíduos no Brasil, sendo que 400 deles estão na região do Refúgio de Vida Silvestre dos Campos de Palmas. “A instalação de usinas eólicas na região seria um impacto direto para essa espécie, que requer muita atenção e cuidados”, argumenta a bióloga.

Nêmora reforça que unidades de conservação já estabelecidas, como o Refúgio de Vida Silvestre dos Campos de Palmas, e outras áreas com reconhecida biodiversidade não podem ser preteridas em nome da energia limpa. “A escolha do local de implantação de usinas eólicas pode e deve ser bem planejada, de forma aproveitar ao máximo o potencial dos ventos, mas sem prejudicar áreas reconhecidamente importantes para a conservação da natureza”, afirma.

Carlos Rittl afirma também que grande parte dos potenciais problemas entre a geração de energia e a conservação da biodiversidade, assim como o respeito a direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais, podem ser resolvidos se na etapa de planejamento da expansão de geração de energia já estiverem mapeadas as áreas que não devem ser ocupadas, seja por sua importância ecológica ou pela presença daquelas comunidades. “Se os problemas forem deixados para serem tratados na etapa de licenciamento, como o que é feito atualmente, os impactos serão muito maiores, com prejuízos para todos”, comenta.

O empreendimento em Palmas aguarda a determinação das competências pelo licenciamento ambiental, que deve ser realizado pelo IBAMA, após ouvido o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio).

Atenção a rotas de aves migratórias

O Brasil é o quarto país onde a energia eólica mais cresce, com uma capacidade instalada que pode chegar a 2024 com aproximadamente 24 mil megawatts, segundo o Portal Brasil. Outro dado do qual os brasileiros podem se orgulhar é que o país é o segundo do mundo em diversidade de aves, com 1.901 espécies; e o conhecimento atual indica que ao menos 197 espécies apresentam algum padrão de deslocamento considerado migratório.

Para que as duas riquezas nacionais sejam garantidas, é necessário evitar sobreposição entre empreendimentos de energia eólica e rotas de aves migratórias. Isso porque os aerogeradores instalados perto de locais de pouso ou repouso de aves migratórias causa alteração do sucesso de sua reprodução, perturbação na migração e perda de habitat de reprodução e de alimentação. Também pode ocorrer mortalidade de aves por impacto com as pás das turbinas, pois esses animais têm o campo visual lateral e não enxergam os obstáculos à frente.

No intuito de embasar o licenciamento ambiental de empreendimentos de geração de energia elétrica, o Centro Nacional Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Cemave/ICMBio) publica anualmente o “Relatório Anual de Rotas e Áreas de Concentração de Aves Migratórias No Brasil”.

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