• 18 de outubro de 2011
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Recuperação de áreas degradadas

Em encontro promovido pelo ISA, técnicos e pesquisadores conheceram o trabalho desenvolvido em campo percorrendo mais de mil quilômetros na Bacia do Xingu, em Mato Grosso, e contribuíram para o aprimoramento da metodologia aplicada para restaurar áreas degradadas.

Durante seis dias, técnicos, pesquisadores, representantes de instituições públicas e de ONGs percorreram aproximadamente 1,3 mil quilômetros entre os municípios de Canarana, Querência e São José do Xingu, em Mato Grosso, para conhecer o conjunto de técnicas e arranjos institucionais aplicados e trabalhados pela equipe do ISA na restauração de áreas degradadas na Bacia do Xingu. As visitas aconteceram durante a II Expedição de Restauração Florestal nas Cabeceiras do Xingu, realizada entre os dias 3 e 8 de outubro. O encontro contribuiu para o aprimoramento do trabalho desenvolvido na região ao longo dos seis anos pela Campanha Y Ikatu Xingu. Nesse tempo, mais de dois mil hectares entraram em processo de restauração na região da BR-158.

No total foram visitadas sete propriedades: a fazenda São Roque, de Amandio Micolino; a fazenda Simoni, de Teresinha Goldoni; o Projeto de Assentamento Suiá, em Canarana; a fazenda Schneider, em Querência; o Projeto de Assentamento Brasil Novo, nas propriedades de Armando Menin e Aldo Pereira da Rosa; e a fazenda BangBang, em São José do Xingu. Veja o mapa com o roteiro da expedição.

“Essa expedição contou com um público ímpar de ‘restauradores’ que estão enfrentando os desafios de recuperar áreas na prática, inovando e lidando com os diferentes gargalos que o tema apresenta. Contou com estudiosos da ecologia da restauração, que viram como a coisa funciona na prática. E também com representantes de instituições públicas, responsáveis pelas políticas que envolvem a recuperação de áreas degradadas”, relata Natalia Guerin, bióloga e técnica do ISA, responsável pelo encontro que reuniu 28 participantes, de 24 instituições diferentes, espalhadas por oito estados brasileiros.

Durante a expedição, os participantes puderam ver a evolução da vegetação com a utilização da técnica da semeadura direta e acompanharam um plantio, realizado no Projeto de Assentamento Suiá, o primeiro de Canarana, com 80 lotes. A equipe do ISA mostrou o preparo da muvuca – mistura de sementes – e o plantio mecanizado utilizando o vincón, uma lançadeira de adubo. A demonstração foi feita em uma área de 0,8 hectare. Para isso foram utilizados 98 quilos de muvuca, sendo 33 de sementes e 65 de areia. “A areia é usada para ajudar nesse processo. Para não separar tanto as sementes grandes das pequenas dentro das máquinas. Se não juntamos areia nessa mistura, as sementes pequenas caem primeiro e a ideia é que fique tudo misturado mesmo”, explica o engenheiro florestal Luciano Langmantel, do ISA.

Em menos de 30 minutos, a área estava semeada, inclusive com o uso da niveladora para enterrar as sementes. A técnica agradou aos participantes. “Fiquei muito animado com o plantio mecanizado. Antes de levar a técnica para o laboratório, vou fazer um teste na propriedade da minha família”, comenta Caio Santilli, engenheiro agrônomo do Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal da Esalq/USP.

“O que está sendo feito aqui é muito bom. Com as condições do solo, que é fraco, os resultados são surpreendentes. Às vezes não se consegue isso em outras áreas até mais favoráveis”, diz Marcelo Torezan, professor da Universidade Estadual de Londrina, após conhecer áreas em processo de restauração com idades diferentes idades.

Segundo o engenheiro florestal Diego Barbosa, analista da Embrapa Agrossilvipastoril, localizada em Sinop (MT), a metodologia aplicada pelo ISA o ajudará na capacitação de técnicos em restauração num projeto realizado pela Embrapa. “Nos interessa muito a metodologia, as técnicas utilizadas nesse trabalho. Só precisamos fazer algumas adaptações à nossa realidade”, comenta.

Parcerias

Para Rodrigo Junqueira, coordenador adjunto do Programa Xingu, essa troca de experiência, após cinco anos de trabalho prático, veio comprovar que o projeto está no rumo certo. “Nossa estratégia foi aprender fazendo. Muitas vezes fomos desencorajados a fazer esse trabalho, mas acreditamos e fizemos. Hoje é uma realidade e podemos trazer pessoas de instituições variadas para ver, discutir e melhorar nosso trabalho. Mas nada disso seria possível sem aquilo que chamo de ‘parceria de verdade’. Gente que se comprometeu com a ideia e nos ajudou a seguir em frente.”

Exemplo disso é a parceria entre o ISA e a Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente de Canarana. Até hoje não existe contrato assinado, mas as duas instituições têm andado juntas, com o compromisso firme de restaurar as Áreas de Preservação Permanente (APPs) das propriedades do município matogrossense. “Nós entendemos que o mesmo produtor que desmatou é um recuperador em potencial, por isso apoiamos e entramos junto nesse projeto com o ISA. Hoje, temos pela prefeitura o Programa Aroeira , também em parceria com o ISA, e temos 55 produtores com áreas em processo de restauração. Em vista de muitos municípios que não fazem nada é muita gente”, diz a secretária de Agricultura e Meio Ambiente, Eliane Felten.

Amandio Micolino é um desses “recuperadores”. Foi dos primeiros em Canarana a apostar na restauração. Nos 400 hectares de sua propriedade, ele tem gado e um arrendamento para soja. Já plantou arroz e café em suas terras na chegada em Canarana, na década de 1970, e para isso derrubou muita árvore. Hoje, aos 80 anos, recuperou 7,4 hectares da fazenda São Roque e ainda pretende investir mais no reflorestamento. “Com essas áreas já estou com tudo regularizado, mas se a saúde deixar, ano que vem vou ver outras para plantar. É importante isso, a gente nota a diferença no clima quando tem árvore por perto”, diz. A fazenda São Roque, de Micolino, foi uma das primeiras áreas a utilizar o plantio mecanizado para reflorestamento. O sucesso da iniciativa é notado ao entrar na área. São três em processo de restauração, com idades diferentes: 35, 23 e 10 meses.“O primeiro hectare foi semeado à mão, mas depois começamos a usar o vincón e deu certo”, conta.

Desafios

Nem só de sucessos vivem iniciativas pioneiras. Durante as visitas, a equipe do ISA compartilhou com os participantes da expedição os desafios que estão sendo enfrentados e muitas contribuições surgiram, como o melhoramento da muvuca,o aumento na exploração de espécies que nascem com maior facilidade, o aprimoramento da semeadura direta e a otimização do monitoramento para melhor manejo das áreas. “É uma técnica que dá certo, mas tem desafios. A questão da braquiária, por exemplo, é uma delas. De repente, é de se pensar em fazer o manejo, pois em algumas áreas está crescendo muito, como vimos na fazenda da dona Teresinha Goldoni”, aponta Daniel Vieira, pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

A braquiária é de origem africana e hoje é um dos principais capins nas pastagens brasileiras. Resistente, ela se espalha com facilidade e por ser de difícil controle, acabou sendo incluída na lista de espécies invasoras catalogada pelo Ibama. Em algumas áreas em processo de restauração, a braquiária voltou forte, como na fazenda Simoni, de Teresinha Goldoni. Esta foi a primeira fazenda a realizar o plantio mecanizado, cinco anos atrás, no início da Campanha Y Ikatu Xingu. A área está na beira na represa do Garapu, no córrego Marimbondo, em Canarana, e tem três hectares em recuperação. Apesar da braquiária ter tomado uma faixa reflorestada, algumas espécies ainda estão crescendo, o que motivou a equipe do ISA a optar por não fazer o manejo no local.

“A gente já vinha pensando em várias dessas sugestões. Também surgiram muitas ideias de pesquisa, e provocamos bastante os acadêmicos nesse sentido, pois os praticantes de restauração têm uma gigante área experimental na qual é possível testar as teorias ecológicas formuladas nos laboratórios de pesquisa”, diz Natalia Guerin.

Outra questão indicada pelos participantes é a falta de políticas públicas que norteiem o trabalho da restauração ambiental. Em tempos de rediscussão do Código Florestal, convencer os produtores rurais a investir na recuperação de suas áreas é mais uma questão a ser vencida. “As legislações existentes atualmente, muitas vezes não dialogam com o que vem sendo realizado na prática, visto a não-aplicabilidade de suas indicações, tais como a Instrução Normativa de Mudas e Sementes Florestais que está sendo proposta atualmente e que partiu da legislação das sementes de soja e milho. O uso econômico das espécies nativas em APPs e Reserva Legal, usar ou não espécies exóticas, que são aquelas introduzidas fora da sua área natural são discussões ‘recém’ iniciadas pelo governo”, explica a bióloga.

Para Felipe Ribeiro, pesquisador da Embrapa Cerrados, o conhecimento gerado pela equipe do ISA no processo de restauração de áreas degradadas pode contribuir de fato para a formulação de políticas públicas no setor. “O que a gente viu aqui é o lado concreto, ou seja, como a gente pode fazer de fato a recuperação de áreas degradadas. Agora podemos pegar esse conhecimento gerado para levar para uma discussão mais estratégica, para formulação de políticas e regulamentações para que se possa de fato aplicar esse conhecimento na recuperação de áreas degradadas”, afirma.

Próximos passos

Após “II Expedição de Restauração Florestal nas Cabeceiras do Xingu” os participantes sugeriram que o encontro virasse permanente e itinerante, possibilitando que todos conheçam os projetos que vêm sendo desenvolvidos pelas instituições convidadas para o encontro na recuperação de áreas degradadas em diferentes biomas. Além disso, todos foram convidados a fazer parte da Rede Brasileira de Restauração Ecológica (Rebre) – uma rede em processo de construção que visa estimular a conversa entre os praticantes de restauração no Brasil.



ISA, Christiane Peres.

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